Juízes exigem investigação de morte de Marielle Franco

No momento, são 230 juízes e juízas federais que exigem investigação da morte da vereadora, em momento em que as autoridades ainda não apresentaram resultados concretos de investigação. O abaixo assinado, que acompanha uma nota de homenagem e exigência da apuração, começou com 160 magistrados federais e contou com ampla adesão após veiculação no Justificando.
Leia o manifesto:
"No dia 14 de março de 2018, Marielle Franco, mulher, negra, lésbica, vereadora eleita com mais de 46.000 votos e uma plataforma de defesa de direitos das populações marginalizadas, foi brutalmente assassinada.
Marielle, com o orgulho de ser “cria da Maré”, em uma metáfora perfeita, referiu a si própria como “a flor que rompe o asfalto”, numa alusão a Drummond. Socióloga pela PUC-Rio e mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense, Marielle pavimentou na militância a conquista do mandato de vereadora, amplificando as lutas pelos direitos humanos das populações periféricas.
Ela superou os obstáculos decorrentes da abissal desigualdade: a precariedade do transporte coletivo; a distância dos locais de trabalho, de estudo e de outros serviços públicos inexistentes ou deficitários; a erotização e a objetificação que atinge de forma mais intensa o corpo da mulher negra; a desigualdade nas condições de acesso a postos dignos de trabalho; a luta diária pela sobrevivência em face do crime organizado e da ação discriminatória dos aparatos de segurança pública.
Apesar disso tudo, Marielle foi mãe, filha, favelada, vereadora, acadêmica, militante, mulher, guerreira… dimensões que lhe permitiram quebrar as múltiplas e reforçadas barreiras que se erguem nos caminhos de milhões de brasileiros. Não o foi para dar força ao discurso meritocrático, assentado em premissas equivocadas e ultrapassados preconceitos, mas para denunciar a injustiça e a pobreza de um país estruturalmente machista e racista, que reserva lugares subalternos para alguns, desprezando o valor de sua contribuição no coral de vozes da democracia.
Sua palavra era de emancipação e liberdade, dando voz às lágrimas vertidas por tantas mães em razão da matança que testemunhou e contra a qual lutou até o último ato.
Se o discurso de Marielle deu representatividade a tantas pessoas, também despertou reações proporcionais à sua força e verdade. Essas reações que não causam perplexidade, num país criado a partir do genocídio indígena e forjado na tradição escravista, precisam ser combatidas.
Não é por outra razão que, mesmo diante da violência de um assassinato que repugna até os mais embrutecidos, os fantasmas da culpabilização e até da criminalização da vítima tenham feito suas agourentas e medíocres aparições.
Marielle era um sopro de esperança: esperança numa democracia em que sua voz de mulher negra, ao furar a barreira do asfalto, pôde ser, de fato, ouvida, registrada e integrada de forma efetiva à esfera pública. ?A esperança fundada na certeza de que só o protagonismo de muitas minorias pode conferir à democracia uma credibilidade radical. Como diz Angela Davis, “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontra”.
A democracia brasileira, com a cruel execução de Marielle, dá seu grito de alerta, como quem afigura os últimos passos num cadafalso, rumo ao abismo das incertezas de uma comunidade política sem identidade e sem direitos.
O que morre com Marielle?
Uma parte de nós. Uma parte de nossa alegria, de nossos sorrisos, de nossos sonhos, de nossa crença na democracia e na justiça. A mulher negra que ousou chegar ao poder, foi morta no mês tradicionalmente dedicado à lembrança das lutas das mulheres. Nada pode ter um simbolismo mais calculado e mais nefasto.
O que Marielle faz germinar?
Em meio à tristeza inevitável, a ação obrigatória.
Não apenas apurar com efetividade e de acordo com o devido processo legal as responsabilidades por seu assassinato; é preciso prosseguir no seu exemplo e na sua trilha, insistindo para que justiça e equidade fortifiquem milhões de flores teimosas, rompendo o asfalto das injustiças e transformando o deserto urbano da desigualdade de oportunidades.
A mensagem do ódio não pode reverberar.
A flor que furou o asfalto não pode morrer em vão."
Confira aqui a lista dos juízes e juízas que assinaram o manifesto.
Fonte: Carta Capital