A educação sob o obscurantismo miliciano e neoliberal

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Obscurantismo, autoritarismo miliciano, neoliberalismo econômico e uma dose fundamental de ignorância e raiva. Assim, o professor Saulo Henrique Silva, atual vice-presidente da Associação dos/as Docentes da Universidade Federal de Sergipe, caracteriza o momento que atravessa o Brasil.

De acordo com o educador e dirigente sindical, por ser um lócus de produção de ciência, de reflexão e de pensamento crítico, a universidade pública é um dos alvos prioritários das medidas institucionais e políticas baseadas nessas características.

Além de analisar o cenário atual da educação pública superior no Brasil e discutir caminhos para a resistência coletiva, Saulo fala também sobre os desafios específicos para a comunidade acadêmica da UFS. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

 

Como você avalia o cenário atual da sociedade brasileira, de um modo geral, e da universidade pública, mais especificamente?

O momento pelo qual tem passado a universidade pública brasileira é bastante delicado! A permanência de valores obscurantistas nas sociedades contemporâneas, aliado a um contexto de descompasso proposital com a verdade com garantias sociais históricas e o uso criminoso das redes sociais, que são instrumentos avançados de comunicação em massa para comunicar essas ideias, têm feito com que discussões já resolvidas e avanços sociais consolidados estejam em perigo.

A universidade, instituição que está diretamente envolvida com a preservação do conhecimento e a produção de novas descobertas, evidentemente é um dos alvos prediletos. O cenário brasileiro é bastante peculiar no contexto do avanço do obscurantismo haja vista que essa orientação, a qual poderíamos denominar  “terraplanista”, está alinhada mais do que nunca com duas outras orientações: a violência miliciana institucionalizada e o apoio do capital financeiro e produtivo que visa implementar uma severa política econômica de austeridade e privatizações do patrimônio e dos serviços públicos.

Nunca tanto se falou de patriotismo, nunca tanto o povo brasileiro e suas instituições foram tão atacadas e vilipendiadas! As universidades e os institutos federais estão mergulhados no interior dessa atmosfera sombria, por isso princípios fundamentais que norteiam essas instituições têm sido atacados, como a autonomia universitária, a sua sobrevivência econômica, a liberdade de cátedra, seus programas de pesquisa, a política de permanência estudantil e a liberdade de expressão no interior das instituições. Em outras palavras, trata-se de contexto de obscurantismo miliciano e neoliberal.

E quais as perspectivas no que diz respeito à liberdade do exercício docente e direitos dos professores e professoras, em um cenário de constantes ameaças e ataques à educação pública por parte do Governo Federal?

De forma mais direta, o programa Future-se, os cortes de recursos, o decreto 9.991/2019, as tentativas de inviabilizar o desconto sindical, as promessas de congelamento salarial, a perseguição ideológica dos defensores do Escola sem Partido, intervenção do MEC na indicação de interventores para reitores das IFES. Todas essas questões que pontuamos são ameaças e ataques diretos às universidades e institutos federais, sobretudo aos professores e professoras compreendidas em sua grande maioria como inimigas do governo, à ciência no que diz respeito às suas orientações mais gerais e descobertas fundamentais que possam contradizer a ideologia que molda as feições elementares do governo.

Obscurantismo, autoritarismo miliciano, neoliberalismo econômico e uma dose fundamental de ignorância e raiva. Em cada uma dessas características conceituais existem tentáculos que são as MP’s, os decretos, os PL’s. Assim, é projeto dos governos nos atacar tanto no que diz respeito a prerrogativas e princípios da carreira docente quanto nos intimidar por meio de perseguições e violências autoritárias, sejam físicas ou difamações covardes, bem como tentar estabelecer uma revisão de teses consolidadas que vão desde as características dos corpos celestes e os processos do acontecimento da vida, quanto a ideias de que a humanidade possa ser elevada, em sua totalidade, a uma situação de direitos fundamentais que preservam a integridade e o respeito a cada indivíduo até à tentativa de contradizer a tese, que possui amplo consenso na comunidade científica global, do aquecimento global.

Não é acaso que o grande ideólogo desse governo seja um astrólogo embusteiro, com milhares de delírios pseudofilosóficos e grande ressentimento dos intelectuais e universidades brasileiras. O atual ministro da educação Abraham Weintraub é simplesmente uma versão piorada e mais raivosa do perfil de Olavo de Carvalho porque repete os mesmos preconceitos, tem visão deturpada e, por isso mesmo, detratora da educação e das ciências, não respeita os/as professores/as e persegue covardemente as instituições federais. É uma pessoa sem nenhuma qualificação, seja intelectual ou moral, para estar no cargo, basta acessar o currículo lattes do ministro para termos ideia do que estou falando.   

Junte-se a isso a orientação capitalista e reacionária de tendência religiosa presente seja em igrejas neopentecostais, pentecostais e outras vertentes do protestantismo, seja em setores conservadores da Igreja Católica e de outras denominações e orientações religiosas, o autoritarismo de matriz miliciana, truculento e mafioso, e a sede neoliberal do capital financeiro e industrial. É um cenário de filme de terror, até membro militares de alta patente, como o general Heleno, repetem afirmações grotescas de que a terra é plana e não existe aquecimento global.     

Esta semana teve início mais um período letivo na Universidade Federal de Sergipe. Quais desafios estarão colocados para o conjunto da comunidade acadêmica da UFS?

A partir desse contexto descrito anteriormente, podemos vislumbrar desafios enormes e que exigem organização e disciplina da categoria para o correto enfrentamento dessa situação. Enquanto representação sindical dos professores da UFS, a diretoria da ADUFS está centrada em ações diversas e complexas, tanto desde a participação efetiva na organização da classe trabalhadora para enfrentar os desmontes dos princípios republicanos do Estado brasileiro quanto voltada ao enfretamento de questões práticas que tramitam como projeto de lei, ou já foram estabelecidas como medida provisória e/ou decretos e que incidem contra os princípios de uma universidade pública, gratuita, laica e socialmente referenciada. São pautas nacionais como a luta contra a aprovação da reforma da previdência, contra os projetos que visam instituir a aberração chamada Escola Sem partido, os ataques à liberdade de cátedra, a autonomia universitária, conforme estabelecido no  art. 207 da CF, os cortes das verbas de custeio das universidades e das agências de fomento à pesquisa, de recursos para a pesquisa, respeito à democracia interna das universidades com a posse do reitor mais votado e pela autonomia do mesmo em montar a sua equipe de gestores (decreto 9.794/19).

Esses ataques estão em curso com o Programa Future-se que tem por objetivo liquidar com a autonomia universitária, o decreto 9.991/19 que inviabiliza a formação continuada, que é um princípio inerente à carreira acadêmica e concentra as liberações em órgão central (SIPEC) que pode muito ser usado com um mecanismo para censura de objetos de pesquisa.

Essas pautas gerais e nacionais que a ADUFS, como Seção do ANDES, empreende também determinam toda uma pauta interna, como os processos democráticos dentro da instituição, a discussão com os professores e professoras com o objetivo de promover um amplo debate sobre todo o conteúdo anticonstitucional e obscurantista e neoliberal do Future-se, na perspectiva de construir uma ampla maioria de rejeição desse programa na UFS, a alteração da nossa resolução interna nº 44/2014/CONSU, que regulava os afastamentos para capacitação, pós-graduação e estágios pós-doutoral. É importante contradizer essa medida aprovada pelo CONSU da UFS em flagrante situação de chantagem por parte do Magnifico Reitor em afirmar que sem essa nova resolução os professores não poderiam se afastar. Sabemos, como afirmado pelo próprio parecer da Procuradoria Federal junto à UNB, que o decreto está em contradição à legislação que regula os processos de formação continuada docente (Lei 12.772/2012). A questão é, por que a nossa Reitoria quis ser mais realista que o rei ao alterar uma resolução interna para adequá-la a um decreto que está “sub judice”?  

No intuito de viabilizar essa luta, é fundamental uma organização e atenção maior da categoria nos espaços organizacionais da classe e dos/as docentes. Também estamos reformulando nosso jornalismo com o objetivo de promover uma aproximação maior do sindicato com a categoria para impulsionar o avanço da informação, o aprofundamento das questões que estão em curso, ampliando o diálogo internamente e externamente com as outras categorias, que também estão sendo duramente afetadas por esse processo de desmonte e entrega. 

 

Em Assembleia realizada no semestre anterior, as professores e professores da UFS decidiram pela rejeição ao projeto "Programa Institutos e Universidades Inovadoras - FUTURE-SE". Em linhas gerais, quais as motivações para tal decisão?

Logo após termos acesso ao PL que visa instituir o programa Future-se, a diretoria passou a estudar o documento para aprofundar a compreensão do tema, além disso preparamos um material com textos de apoio. A diretoria discutiu profundamente o tema, tanto internamente quanto em reunião do setor da IFES do Andes, ainda no final de julho.  A partir de então, passamos acompanhar as palestras promovidas pela Reitoria em centros e campi da UFS, para deixar clara a posição da ADUFS, como representante máximo dos/as docentes. Também nos apressamos em realizar uma Assembleia Geral Extraordinária da ADUFS, em 01 de agosto, com a presença do professor Rosalvo (Pró-reitor de administração da UFS) para que houvesse uma discussão ampliada e bem fundamentada do projeto desse PL. 

Nessa assembleia, os professores e professoras se posicionaram contra o programa, compreendendo que o mesmo deve ser considerado inconstitucional, pois sua aplicação passaria por cima de 16 leis e, sobretudo, do artigo 207 da Constituição Federal que estabelece a autonomia universitária. Ou seja, o Future-se tem como objetivo a privatização da Universidade e do ensino público gratuito, deixando sua administração interna sob a responsabilidade de uma Organização Social e sua gestão financeira presa a fundos de investimentos.

Além disso, recentemente o Prof. Airton de Paula, presidente do nosso sindicato, elaborou uma análise profícua sobre o contexto e os danos que podem causar esse programa às universidades, eu o professor Romero Venâncio (diretor de comunicação) estamos preparando um artigo mais sistemático que deverá sair na próxima edição da Revista Candeeiro sobre esse assunto. É uma completa usurpação da universidade pública para entregá-la ao sistema financeiro e aos grandes conglomerados empresarias de educação.

Diversas universidades têm se posicionado coletiva e institucionalmente contrárias ao FUTURE-SE, por meio de plenárias que envolvem docentes, discentes, técnicos e gestão. Como a ADUFS pretende dialogar com os demais segmentos - estudantes e trabalhadores técnico-administrativos - sobre a necessidade de um posicionamento coletivo da UFS, incluindo a reitoria e conjunto da gestão da universidade?

Em face da gravidade dessa situação, temos outras ações em vista ainda este ano, como rodadas de assembleias nos diversos campi da UFS para discutir o Future-se e preparando o clima para a convocação de Assembleia Geral Universitária, na qual toda a comunidade acadêmica (professores, técnicos e estudantes) possa discutir em conjunto e profundamente o tema Future-se.

A orientação da ADUFS será pela rejeição completa desse programa porque compreendemos que ele é inconstitucional, se aprovado inviabilizará a autonomia universitária no que diz respeito à sua gestão financeira, administrativa, comprometendo a liberdade didático-científico destas instituições.

A universidade pública tem um caráter fundamentalmente republicano, e o Future-se é fundamentalmente oposto a esse caráter republicano. Portanto, deve ser devidamente rechaçado!

Além das questões que afetam mais diretamente a educação pública superior, quais outros processos de mobilização social por garantia de direitos farão parte das lutas da ADUFS nesse período?

Nossa gestão transformou a ADUFS em um instrumento de luta da classe trabalhadora. Por essa razão, estamos envolvidos na organização de todos os espaços de lutas possíveis no Estado de Sergipe, e sempre tendo em vista a unidade das diversas categorias que compõem a luta.

Assim, além da nossa pauta interna, participamos de reuniões regulares com outras organizações sindicais para a construção da luta social em Sergipe, foi assim em todos os atos de rua e manifestações que ocorreram esse ano no estado. Em todos esses acontecimentos, a ADUFS esteve presente. Embora nesses últimos atos tenha havido certo refluxo em reação os grandes atos que tomaram as ruas de maio a setembro, a nossa orientação está em continuar na construção da unidade da classe trabalhadora, em especial do setor da educação tão vilipendiado e atacado por esse governo. Então, um cenário de greve ampla da educação é sempre uma possibilidade que temos levado a cabo. 

 

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