Guedes, respeite o servidor público! - Carta de uma professora da UFS ao ministro da Economia

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Paulo Guedes, eu sou servidora pública. Sou professora de uma Universidade Pública. Aqui as aulas presenciais estão suspensas desde 17/03. Eram nossas duas últimas semanas de aula do semestre 2019.02.

Eu ia passar uma semana ouvindo apresentação de trabalhos e a seguinte atualizando as notas e frequências no sistema. Mudamos a forma de avaliação, recebemos uma enxurrada de trabalho pra corrigir em casa, nos matamos de trabalhar e fechamos o semestre sem prejuízo para o calendário.

Dia 30/03 começaram oficialmente 20 dias de férias para mim. Nesse período, de planejamento para o semestre seguinte para todos os professores, que envolve MUITO trabalho, eu pretendia não fazer nada. Mas ser professora e profissional de saúde também envolve gestão. Faço parte da coordenação de uma Residência em Saúde Mental e passou um furacão nos serviços com essa PANDEMIA. Não tive um dia de férias. Não há pagamento adicional no nosso salário pra esse tipo de trabalho. São reuniões em plataforma digital, ligações, preocupações de todas as ordens: burocráticas, políticas, existenciais (como parar para pensar em tudo isso em meio a tanto trabalho?). São coordenadores de outras Residências, gestores municipais de saúde, MEC, Ministério da Saúde, Universidade e os residentes, evidentemente, apavorados de estar na linha de frente de combate. E seu presidente ainda me troca o Ministério nessa hora.

Meu período de férias acabou e agora, unido a todo trabalho de gestão, temos que retomar as atividades de pesquisa, extensão e ainda pensar em como lidar com a pressão de se virar pra dar aula à distância (é possível? Mesmo as disciplinas obrigatórias? Para um curso da área de saúde? E os estágios? Como a Universidade acessa as pessoas que não tem internet de qualidade em casa? Vamos assumir que algumas pessoas vão mesmo ficar de fora?). Será que dar aulas durante uma pandemia faz sentido? O que não pode parar? A pesquisa e a extensão vão nos ajudar a lidar com essa bagaceira, mas ensino agora ajuda no combate a essa doença? Você sabia que as secretarias de saúde recebem estagiários da nossa Universidade e de todas as privadas? Mas pra onde elas correm agora?

Somos nós que estamos oferecendo ajuda para planejamento e ações de intervenção. As privadas estão aí tocando suas aulas online como se nada tivesse acontecendo e CAGANDO para os serviços públicos que eles usam quando precisam. RESPEITE o servidor público, muitos deles, inclusive, expostos na linha de frente de combate.

Estamos com a geladeira cheia, sim, temos salários garantidos e conquistados via concurso público. Uma MP do seu presidente cortou o auxílio transporte e a insalubridade dos servidores que estão, como eu, sem aulas presenciais. Muitos de nós aumentaram suas despesas domésticas para conseguir trabalhar de casa. Muitos de nós estamos pagando insumos do próprio bolso para produzir álcool gel e EPIs usando os laboratórios, agora sem o adicional insalubridade. Eu não conheço ninguém que esteja trabalhando pouco, mesmo apavorado com isso tudo.

#ForaGuedes

Sandra Oliveira, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe

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