Nota da ADUFS - Recursos fiscais, isolamento social e lockdown

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Os genocidas sociais afirmam de forma peremptória que o país está “quebrado, sem dinheiro”. Considerando que tal afirmativa seja verdade, é lícito que os docentes das Instituições de Ensino Superior, como a UFS, “recebam seus salários sem trabalhar”?

Inicialmente, afirmamos que o Brasil não está e nunca esteve quebrado, pelo menos nos últimos 20 anos. Para confirmar esta afirmação é só visitar os sites do Banco Central do Brasil (BACEN) e do Tesouro Nacional (TN). Com efeito, no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o Balancete do Banco Central, em 31/03/2020, as Reservas Internacionais do país alcançaram o montante de R$ 1,59 trilhão e um resultado, “Resultado no Período, janeiro a março de 2020”, de R$ 395,7 bilhões[1]. Por sua vez, o saldo da Conta Única do Tesouro Nacional[2], em fevereiro deste ano, somava R$ 1,36 trilhão, o equivalente a 18,6% do PIB[3]. Isso já é o suficiente para mostrar que dinheiro temos (em abundância), uma vez que, computando todos esses valores, obtemos um resultado de R$ 3,34 trilhões (nessas duas referidas Instituições Financeiras do Estado brasileiro). Todavia, alguém pode questionar dizendo que esse dinheiro todo não está facilmente disponível. Concordamos parcialmente com essa argumentação, pois, em sua totalidade, talvez não – posto que demandaria algumas medidas de gestão financeira para torná-los desimpedidos; porém, uma boa parcela desse dinheiro é de acesso imediato pela Autoridade Monetária (no caso, o Banco Central do Brasil). Duas informações demonstram isso: (i) de acordo com o valor econômico[4], o Banco Central vendeu, no ano passado, 37 bilhões de dólares (subtraídos das Reservas Internacionais) para intervir no mercado de câmbio, no sentido de amortecer a desvalorização do real; (ii) no dia 23 de março deste ano, o Banco Central liberou um pacote de ajuda aos bancos no valor de R$ 1,2 Trilhão[5].

No entanto, mesmo com esse volume todo de recursos monetários, o Paulo Guedes (mega Ministro da Economia) chantageou o Congresso Nacional, afirmando que era necessário e urgente aprovar o Projeto de Emenda Constitucional número dez (PEC 10/2020) –  conhecida como “PEC do Orçamento de Guerra” (transformada em Emenda Constitucional, EC 106/20), caso contrário não teria dinheiro para pagar o “auxílio emergencial”, aprovado no Senado, em 30/03/2020, no valor de R$ 600 para trabalhadores informais de baixa renda, a ser concedido durante a pandemia Covid-19, com duração de três meses (podendo ser prorrogada).

Vejam que absurdo, os dados do governo eram de que o auxílio emergencial seria canalizado para uma população de 32 milhões de pessoas, de maneira que o gasto suplementar do governo, para este fim, ficaria em torno de R$ 57,6 bilhões de reais; todavia, como este governo, de fato, desconhece o país e seu povo, constatou-se posteriormente que o montante da população de baixa renda e trabalhadores informais, aptos a receberem o auxílio emergencial, estavam em torno de 53 milhões de pessoas – sendo assim, o montante passaria a ser de R$ 95,4 bilhões. Então, comparado com os recursos do governo (no Banco Central e no Tesouro Nacional), isso equivale a 1,7% dos R$ 3,34 trilhões (muitíssimo insignificante).

Voltando à EC 106/20, constatamos, baseados nas análises de eventos no mercado financeiro e nas falas de Paulo Guedes, assim como nos dispositivos da referida Emenda Constitucional, que o objetivo da Emenda não era, como amplamente divulgado pela grande mídia e pelos parlamentares (que a defenderam e a aprovaram), combater o novo Coronavírus e acabar com a pandemia, mas beneficiar o sistema financeiro nacional e internacional – um verdadeiro golpe contra o povo e a Fazenda Pública. Esta afirmação se fundamenta nas seguintes observações:

1. Não havia necessidade de uma Emenda Constitucional para combater a pandemia, conforme preconiza o §3º, art. 167, da Constituição Federal. Especificamente, no seu inciso IX, segundo o qual o governo pode utilizar-se de crédito extraordinário destinados a despesas urgentes e imprevistas, como em caso de guerra, calamidade pública ou comoção interna;

2. Num evento da NPL Global Market (Mercado Global de Empréstimos Vencidos), realizado em 2019, na cidade de Londres, representantes do mercado financeiro (entre eles os representantes de bancos brasileiros) buscaram arquitetar criativos instrumentos financeiros (securitização[6]) para desovarem os ativos problemáticos (papéis podres), acumulados a mais de 15 anos nos cofres dos bancos desde a crise de 2008. Neste sentido, a empresa IVIX Value Creation (Criação de Valor IVIX) fez, nesse mesmo ano de 2019, uma estimativa de que os bancos brasileiros acumulavam em suas “carteiras podres” valores próximos a 1 trilhão de reais[7];

3. O Art. 7º, da EC 106/2020, autoriza o Banco Central a comprar e vender: (I) títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional; e (II) os ativos, em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos, desde que, no momento da compra, tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB-  ou superior, conferida por pelo menos 1 (uma) das 3 (três) maiores agências internacionais de classificação de risco, e preço de referência publicado por entidade do mercado financeiro acreditada pelo Banco Central do Brasil[8]...

Portanto, fica evidente que houve mais uma dilapidação do Erário Público, configurado como um oportunista embuste da banca, uma vez que se aproveitou da fragilidade da sociedade brasileira, em um contexto de crise política, econômica e pandêmica, esta última por conta do Covid-19.

Pois então, devemos ficar em casa como “verdadeiros parasitas” do Erário Público, em um país “quebrado” como o Brasil? Seria ético receber sem trabalhar?

A primeira pergunta foi respondida, uma vez que, como mostramos acima, o país não está quebrado e que os verdadeiros parasitas são os especuladores (rentistas) e os fiéis escudeiros da banca, a exemplo, aqui em nosso país, do Ministro Paulo Guedes.  Quanto a “receber sem trabalhar”, salta aos olhos a falsidade e ignorância de quem faz tal afirmação, visto que demonstra não conhecer as dinâmicas das atividades diárias de um docente das universidades públicas brasileiras. Primeiro, algo em torno de 60% de nossas atividades são feitas em casa (mesmo em tempos “normais”); segundo, assim como no atual contexto de pandemia, continuamos trabalhando em casa: orientando alunos da graduação e da pós; reuniões remotas de departamento e colegiado (também da graduação e da pós); leituras e pesquisas em nossas áreas, elaborando artigos científicos, fazendo uso de nossas bibliotecas particulares, ou por meio das redes.

Adicionalmente, não se configura como antiético ficar em casa num contexto de pandemia mundial na área de saúde pública, nem a nós professores das IES, nem a nenhuma categoria profissional de pessoas da classe trabalhadora (como a nossa). De fato, não é um privilégio está em casa, mas um direito fundamental (conforme Art. 5º da CF/88), pois é nossa vida que está em perigo e cabe ao Estado o dever de garantir nossa integridade física e mental. Sendo assim, o Estado brasileiro, representado pelo atual governo, na figura do Senhor Jair Messias Bolsonaro e de seu Ministro da Economia, não está cumprindo de forma responsável e eficiente este dever constitucional.

De fato, a maioria dos países do mundo, mesmo aqueles fiéis representantes do capitalismo neoliberal, a exemplo dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Alemanha e do Japão, está mobilizando recursos públicos monetários astronômicos; no sentido de minimizar os impactos da pandemia na economia e na saúde de suas populações. Portanto, esses países estão mobilizando, em média, algo em torno de 15% do PIB (nas cifras de trilhões de unidades monetárias de seus respectivos países), para proteger a vida de suas populações, garantindo-lhes a manutenção de seus empregos e de suas rendas. Adicionalmente, esses Estados estão socorrendo as micro, pequenas e médias empresas, no sentido de garantir-lhes suas sobrevivências.

Um exemplo interessante, para nós brasileiro, é o da Inglaterra. Vejam bem, já em março, começo da pandemia do Coronavírus, o governo britânico, conduzido pelo primeiro ministro Boris Johnson, liberou 30 bilhões de libras esterlinas. Este montante foi assim distribuído: 7 bilhões de libras foram direcionados para socorrer os trabalhadores autônomos, bem como todas as pequenas e médias empresas alcançados pelas quarentenas e pela queda da atividade econômica; 5 bilhões de libras foram conduzidos para o fortalecimento do sistema público de saúde; e os 18 bilhões de libras restantes, forma canalizados para sustentar outros tipos de  atividades que, direta ou indiretamente, foram enfraquecidas por conta da pandemia do Covid-19.

No caso do Brasil, por conta da estupidez, negacionismo e dogmatismo do Presidente Bolsonaro (e da sua equipe de Ministros), atrelado e subserviência ao império americano, este governo tem mantido uma postura genocida em relação a população brasileira, neste contexto de pandemia, mas também tem tido uma postura destrutiva em relação as necessidades de sobreviverem das micro, pequenas e médias empresas. Mesmo agora em junho, onde o quantitativo de pessoas contaminadas ultrapassa 1 milhão, dos quais mais de 50 mil estão mortos, este governo teme em pressionar os Estados da Federação, no sentido de acabar com isolamento social e liberar as atividades econômicas, principalmente a de comércio e serviços.

Portanto, como foi visto acima, de fato, não existe carência de recursos públicos. Sendo assim, trata-se de canalizá-los para proteger e salvar as vidas dos brasileiros e brasileiras. De maneira que é forçosamente necessário manter o isolamento (lockdown) de todas as atividades não essenciais. Neste sentido, o Ministro da Economia, ao invés de beneficiar o sistema financeiro, deve utilizar uma parte expressiva dos R$ 3,34 trilhões para proteger o emprego e garantir a renda das famílias mais pobres do nosso país; outra parcela consistente deste montante deve ser canalizadas para defender a economia e os interesses nacionais, socorrendo micro, pequenas e médias empresas. Finalmente, mais uma outra proporção desse recurso tem que ser urgentemente alocados para o fortalecimento do sistema público de saúde e para as universidades públicas e centros de pesquisas, principalmente, dado o contexto pandêmico, em áreas que lidam com a infectologia, imunologia e produção de vacinas.

LOCKDOWN JÁ!

Nota elaborada por Olinto Silveira Alves Filho, professor do Departamento de Economia da UFS e diretor da ADUFS, e assinada por toda a diretoria do sindicato.

 

[2]http://www.tesouro.fazenda.gov.br/modelo-artigo-tesouro-nacional/-/asset_publisher/8oEpbfolaHSe/content/gestao-da-conta-unica. “A Conta Única do Tesouro Nacional, mantida no Banco Central do Brasil, acolhe todas as disponibilidades financeiras da União, inclusive fundos, de suas autarquias e fundações. Constitui importante instrumento de controle das finanças públicas, uma vez que permite a racionalização da administração dos recursos financeiros, reduzindo a pressão sobre a caixa do Tesouro, além de agilizar os processos de transferência e descentralização financeira e os pagamentos a terceiros”.

[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Securitiza%C3%A7%C3%A3o “Prática no mercado financeiro que consiste em agrupar vários tipos de ativos financeiros (notadamente título de crédito tais como faturas emitidas e ainda não pagas, dívidas referentes a empréstimos, entre outros), convertendo-os em títulos padronizados negociáveis no mercado de capitais, nacional e estrangeiro”.

[7]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc106.htm

[8]https://auditoriacidada.org.br/conteudo/note-tecnica-pec-do-orcamento-de-guerra/

 

 

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