Provocações pedagógicas: carta em resposta ao MEC

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Profa. Dra. Eliana Romão*

Prof. Dr. Saulo H. S. Silva**

 

Ninguém duvida, nem desconhece, a avalanche dos efeitos da pandemia provocada pelo novo Coronavírus, que produz a enfermidade COVID/19, nas relações humanas, nos vários cantos do mundo, nos plurívocos segmentos da sociedade, entre os quais, avultam os sistemas de educação para além do contexto brasileiro. Consta que aproximadamente 1,716 bilhão de alunos e de alunas, mais de 60 milhões de docentes foram duramente atingidos em razão da necessidade de isolamento social e, com efeito, do fechamento das redes de ensino frente ao avanço da pandemia que se alastrou em mais de 180 países, segundo dados da OMS. Ações dos mais diferentes âmbitos foram interrompidas. Sistemas de ensino suspenderam aulas, exames de conclusão de cursos foram adiados, a marcha para a educação de crianças, de jovens e de adultos foi freada.

Enquanto assitimos aos desdobramentos devastadores da Covid-19 na China, Itália, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, etc, o vírus chegou ao Brasil causando incertezas e perplexidades. Apesar de já estarmos diante de uma situação pandêmica, de milhares de mortos diariamente expostos nos noticiários, o avanço do Coronavírus no Brasil culminou na mudança profunda da rotina nas cidades— na vida dos trabalhadores formais e informais, nas escolas, nas universidades. Ruas vazias, escolas sem aulas, universidades fechadas. Com ou sem pandemia, a cadeira do MEC continuava ocupada, mas efetivamente vazia. Se o contexto da administração do sistema educacional brasileiro já era de crise em virtude da inépcia de seus ministros, a situação se agravou em face da insegurança e imprevisibilidade trazidas pelo caos sanitário. Nenhum órgão, seja de instância mais ou menos elevada, está protegido dos apelos que emergem da crise atual que se instaurou no Brasil e no mundo. A nota gerada pelo MEC no. 32/2020/ASSESSORIA GABINETE, a partir da leitura do momento atual, sinaliza a necessidade de proposituras de ações para “o tempo perdido” das escolas de todo país, bem como das instituições de ensino, evidenciando suas prioridades e desafios, entre os quais, aquele julgado por esta pasta o mais sério de todos. Diz a nota, “Tal situação leva a um desafio significativo para todas as instituições ou redes de ensino de educação básica e ensino superior do Brasil, em particular quanto à forma como o calendário escolar deverá ser reorganizado”. A nota em pauta destaca a gravidade da situação, sem precedentes “na história mundial da pós-guerra”. Exige-se, portanto, ações e respostas dos grandes e de muitos.

Tempos e espaços distintos de trabalho ganham vulto. Se a cidade sem o flanar de seus cidadãos perde a sua graça, imagine sem o movimento de seus estudantes. Se é certo que toda cidade “sem estudante será destruída”, é certo, igualmente, que, se não o for, perde seu encanto e seu futuro porque seu presente é ameaçador.  De acordo com dados das Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), 188 países implementaram fechamentos de instituições de ensino, impactando, assim, em torno  “de 99,4% da população estudantil do mundo”. A mesma organização mostra, portanto, que “milhões de estudantes estão sem aulas”. Consequentemente, seus professores, apesar de permanecerem trabalhando, estão sem realizar sua principal função. Isso provoca desalento, mas também cria perspectiva de transformação.

Quando pensamos em propostas educacionais, é importante termos em vista a advertência do século XVIII que parece apropriada para o tempo presente, qual seja: se pelo menos fosse realizada uma experiência “com a ajuda dos grandes e “reunindo as forças de muitos, isso solucionaria a questão de se saber até aonde o homem pode chegar por esse caminho” (KANT, 2002, p. 15). O autor, ainda, adverte o quanto “é triste para o amigo da humanidade ver que a maior parte dos grandes não cuida senão de si mesma e não toma parte nas experiências sobre a educação”, (KANT, 2006,p. 16) para fazer avançar algum passo em direção à evolução e elevação da condição humana.  

Os impactos da pandemia provocados por esse vírus avassalador (coronavírus) no interior dos espaços de ensino interfere no alcance dos fins educativos propostos por visões iluministas de educação. “As aulas estão suspensas” e essa realidade gera prejuízos para a educação que deverá encontrar saídas segundo nota técnica do MEC, a partir dos “ritmos diferenciados nos mais diferentes estados e municípios”.

Isso sugere, em que pese o cuidado de considerar as peculiaridades do contexto local, transferir aos estados e aos municípios a solução para a situação em epígrafe. Sabe-se que dessa situação, além de sua imprevisibilidade, ninguém se arrisca sequer palpitar sua durabilidade. Mas os seus desdobramentos sem precedentes, especificamente, no universo da educação são conhecidos. Mesmo assim nem o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)— instrumento de tão elevada importância criado em janeiro de 2007 tendo como mote a operacionalização de recursos e de valorização do magistério—, parece prioridade na pauta do MEC. O FUNDEB, em vigência até dezembro de 2020, pouca atenção tem recebido na perspectiva de  transformar-se em “um instrumento permanente e eficaz” de modo a assegurar o financiamento e possibilidades de ações mais duradouras para a educação básica, por parte dos estados e municípios. O financiamento da educação básica se configura como uma luta histórica que vem desde Anísio Teixeira (1962), implementado com o ex-presidente Fernando H. Cardoso (FUNDEF/1996) na direção de complementar o fomento à educação básica e aprofundado com o Governo Lula (FUNDEB/2007). Entretanto, a sua continuidade está a depender do modo como o MEC se posiciona na passagem de instrumento de financiamento e valorização do magistério provisório para instrumento permanente.

Isso posto, emerge a 1ª. indagação, a saber: estariam os estados e municípios devidamente equipados para atender a demanda que hoje se (im)põe aos sistemas de ensino? Por quanto tempo? É curioso notar que noutros países, como Reino Unido (disponibizou 1 bilhão de libras para os sistemas de ensino “recuperarem o tempo perdido”); a Ucrânia (ofereceu uma super produção, potenciada por multimídia); os Emirados Árabes (elaborou um plano “educação sem interrupção” para 40 mil alunos); e o Perú (disponibilizou tabletes para todos os alunos dos sistemas de ensino); ao mesmo tempo que assimilam a gravidade da situação frente à pandemia, mostram que é de responsabilidade dos governos as ações que exigem maior grau de estrutura e organização. Essas medidas mostram, ao lado disso, que não basta cobrar um plano de reposição de calendário escolar, mas oferecer condições para que este atendimento ocorra sem prejuízo ao processo de ensino e aprendizagem e à vida dos estudantes e de seus professores.

Se a crise da educação no país já pedia ações comprometidas em buscar soluções, esta se agravou com a pandemia supracitada a qual, por suz vez, unifica a preocupação— em seus desdobramentos, em suas dores, em seus espantos, em suas incertezas e em seus apelos— desde a educação infantil, passando pelo ensino fundamental (alfabetização), ensino médio e o ensino superior. Não é possível ficar indiferente às crianças que choram diante da tela fria tomando para si, apressadamente, as dificuldades de ler e a escrever sem a presença afável de sua professora ou professor. Não é possível ficar a margem de centenas de jovens que buscam artifícios para suportar o sentimento de não serem acolhidos pela tela iluminada, mas sem a luz que procuram. Referimos-nos aos alunos e alunas que, embora presentes nos chats das aulas remotas, são silenciados. Carregar para ambientes virtuais de aprendizagem a somente escuta daquele que fala é penalizar duplamente os estudantes que, do outro lado da tela, se resignam a escutar e se manter em silêncio diante de uma realidade que se esconde. Nesses ambientes, temos o verdadeiro monopólio da educação bancária. Para Paulo Freire, o tempo da fala do professor autoritário se dá num “espaço silenciado” e não num espaço em silêncio que toda comunicação requer (FREIRE, 1997). Espaço silenciado que se dá silenciadamente por aqueles que entram e saem de um ambiente no qual sequer permite a interligação entre seus partícipes, para quem a máquina é dura e fria, não os conseguindo acolher (ROMÃO 2012). Obviamente que a situação é difícil para as escolas, para os seus gestores, e as instituições de ensino de modo geral; é ainda mais difícil para alunos e alunas atônitas a uma realidade surreal, e para seus pais que ficam paralisados diante de situação atípica para a qual não foram e nem estão preparados. Lar não é escola, escola não é continuação do lar, professora não é tia, pais não são professores e nem estão credenciados para exercer a docência. E para o exercício do ofício de ensinar e, assim, participar da formação de alguém, é necessário ter preparo, está licenciado e, além disso, ter condições objetivas de ação. Se é certo que “os homens fazem sua própria história” é certo, igualmente, que não a fazem deliberadamente em tudo— “sob as circunstâncias de sua escolha”, mas daquelas em que se deparam diretamente. Porém, permanece existindo inumeráveis possibilidades de ocorrem fatos que nos escapam completamente. Importa não perder de vista as circunstâncias e consequências da suspensão de longa duração das aulas e de suas atividades escolares presenciais, funcionando apenas, parcialmente, e por meio de serviços digitais. Mas a ponto de atribuir a solução destas perdas, prioritariamente e em primeiro lugar, ao cumprimento do calendário escolar, é uma orientação equivocada. A “dificuldade de reposição de forma presencial na integralidade das aulas” é um aspecto importante, mas não deve ser considerado isoladamente, à margem das circunstâncias que se deparam diante de si. Sua solução se enovela com os limites e possibilidades do contexto em que se insere. Nenhuma proposta de reposição de aulas pode vir em detrimento aos riscos de vida e, depois, do pedagógico.

Há de se considerar o lugar do pedagógico na aprendizagem da criança em face do “tempo interrompido” ou até “tempo perdido”. A quem cabe encontrar as respostas de tão elevada magnitude?  É inegável que a suspensão de aulas frente à necessidade de isolamento respinga sobre “o retrocesso no processo de educação” e até de abandono da escola. O que é muito ruim, tendo em vista o caráter emancipador, socializador e especializado que é a escola. Se a prioridade é fazer valer a educação e educação de qualidade para todos, o MEC e as demais instâncias de poder decisório têm responsabilidade nisso. Ademais, não é a mera transferência do ensino presencial para “o ensino no lar” que esta educação será garantida dentro do calendário dos dias letivos. Aliás, esta já não terá mais o mesmo método, nem o mesmo ritmo, nem o mesmo tempo de aprendizagem, nem ainda, o mesmo entusiasmo. Há coisas que deveriam ser feitas sob o olhar dos professores e com seu apoio eventual e ajuda necessária (NIZA 2015). Eles sabem e porque sabem ajudam. E se não souberem “é melhor não ajudar”, pois que para ajudar, é preciso está preparado e disposto a ajudar na direção de que seu aluno aprenda (ROMÃO, 2020). Não é de bom senso, portanto, cobrar dos alunos, com mesmo grau de exigência, o mesmo rendimento esperado em tempos normais de escolarização, nem tampouco promover a avaliação dentro do modelo que muitos professores têm na cabeça— modelo napoleónico dos liceus, em que se ensinava e avaliava a todos como se fosse um só (NIZA, 2015). Seus professores eram operadores de uma prática de ensinar e avaliar “tirânica e sem humanidade”. Nesse contexto, o sentimento de descrença, de desconfiança e de reprovação do aluno se eleva, quando deveria ocorrer o contrário. É imperativo repensar e criar uma nova mentalidade em direção da melhoria dos processos de ensinagem e aprendizagem; e não simplesmente operar de forma mimética a uma realidade que já não era a melhor.

Exige-se que os sistemas de ensino e instituições ofereçam ações para o cumprimento do calendário, mas sempre desconsiderando os riscos e estragos dessa postura na educação da criança e do jovem. Pois bem, esta propositura terá que ter como foco a aprendizagem dos alunos e alunas, não necessariamente o cumprimento do calendário, ainda que, ao fim, terão que somar 800 horas para cumprir, embora não mais de dias “efetivamente trabalhados” para a educação básica, conforme prevê a LDBEN vigente. Quando se tem como foco a aprendizagem, ganha notoriedade o dever dos professores em insitigar o interesse por sua matéria e conteúdos trabalhados (LARROSA, 2018). O autor adverte que é o professor quem “vai ensinar a estudar, não juntos”, mas é ele, o professor, que “vai ensinar a estudar”, vai  promover os instrumentos para seu aluno “fazer as buscas”. O professor é aquele que oferece o texto, o remete, “como um presente, como uma carta” (LARROSA, 1999). É preciso lhe oferecer condições objetivas de ação, mas sem ficar à margem de suas “perdas emocionais”, sobretudo, nesse momento de muitos “estragos”. A saúde não somente da criança, depende dos deveres que se colocam e de como e quando o realizar. Desempenha papel relevante na matriz emocional do processo de educação de alunos e alunas (SUJOMLINSKI, 1975).  Muitos casos de aversão aos estudos e até evasão, repetência e abandono escolar se traduzem em desconfortos emocionais e até sérias perturbações.

Os desafios não param por aí. E, entre tantos que se apresentam ao MEC e redes de ensino de todo país, cuidar dos efeitos gerados pela pandemia na vida escolar e acadêmica dos estudantes parece ser o maior deles, além de garantir os investimentos necessários para recuperar o “tempo perdido”. Recuperar este “tempo perdido” ou, “tempo interrompido”, não se encerra no cumprimento do calendário escolar, mas, sobretudo, na recuperação das perdas emocionais e pedagógicas, sem ficar à margem, claro, dos “danos estruturais nas famílias e estudantes de baixa renda— stress familiar, aumento da violência doméstica, abandono e evasão escolar”, conforme relacionado na nota do MEC em pauta a pretexto da elaboração de propostas do cumprimento do calendário escolar dos sistemas de ensino. A mesma nota, não ignora “as fragilidades e desigualdades estruturais da sociedade brasileira” agravadas pela pandemia, mas trazer como motivo maior o atendimento do calendário letivo fragiliza a base de qualquer que seja a propositura, seja para o nível básico de educação, seja para o nível superior. Ainda, assim, a nota em epígrafe que motivou esta carta, se vale, em particular, deste ponto na direção de “propostas que garantam os direitos e objetivos de aprendizagem neste momento a fim de minimizar os impactos da pandemia na educação”.

Essa situação, “leva todas as instituições e redes de ensino do Brasil” (MEC) ao desafio, conforme citado antes, quanto a reorganização do calendário escolar—  fazendo referência, mais uma vez, ao cumprimento do “calendário escolar” que “deverá ser organizado” sob a égide dos estados, dos municípios e das instituições de ensino superior respectivamente e, de acordo, com as peculiaridades locais amparada na LDBEN/9394, art. 23, parágrafo 2º., onde consta que o calendário escolar deverá adequar-se as peculiaridades locais, inclusive, climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino sem reduzir o número de horas previsto em lei. É importante lembrar que a mesma nota, em função da calamidade pública, “flexibilizou excepcionalmente a exigência do cumprimento do calendário escolar, ao dispensar os estabelecimentos da obrigatoriedade do cumprimento mínimo de dias de efetivo trabalho escolar".  Esta flexibilidade é bem vinda e, de fato, amplia as possibilidades de ação, mas não a ponto de assegurar os três desafios propostos no texto em pauta, pois que está a depender de ações das instâncias apropriadas de fomento a quem deve também oferecer respostas às perguntas apresentadas como desafios para a atualidade, embora nenhum deles em tempos normais de escolarização são assegurados, quais sejam:

1. “Como garantir os padrões básicos de qualidade para evitar o crescimento da desigualdade social”? A qualidade cobrada, todavia, é desejada e questionada por anos a fio, mesmo sem os agravantes da pandemia. É imperativo ter clareza das condições pelas quais são oferececidos caminhos alternativos de educação, porque não nos serve, “como a ninguém serve” todo e qualquer tipo de educação – qualidade é direito de todos.  

2. “Como atender as competências e objetivos da aprendizagem previstas na BNCC e nos currículos escolares previstos para este ano”? Estas indagações têm desafiado às secretarias municipais e redes estaduais de ensino, mas causa-nos espanto que, mesmo sabendo das proporções da calamidade pública, cobra-se o caminho, já tão comprometido, para ser corrido “ainda este ano”. A solução para esta exigência pede para se valer da flexibilidade que a nota do MEC sinaliza, mas não para que seja este ano obrigatoriamente. É preciso considerar o tempo interrompido por força das adversidades da fortuna.

A 3ª pergunta desafia a quem pergunta e aos demais órgãos de ensino não somente em tempos de pandemia: “Como garantir padrões de qualidade para estudantes submetidos a regimes especiais, a todos os estudantes em atividades não presenciais mediadas ou não pelas TIC”? Se valer da pedagogia da diferenciação, baseada nos princípios da cooperação e inclusão desafia os sistemas de ensino em seus níveis, etapas e modalidades. Não basta incluir, mas integrar crianças que pedem atendimento individualizado. Se é certo que os alunos da educação infantil, passando pelo ensino fundamental até no ensino médio e superior, foram afetados, mais afetados, ainda, aqueles que têm necessidade de atendimento individualizado. Os governos, os dirigentes, os professores, no entanto, têm medo “da individualização” porque não sabem “gerir histórias individualizadas de percursos de aprendizagens”, não estão preparados ou, ainda, falta-lhes “capacidade humana” (NIZA, 2015). Houve, porém, avanços por parte das vozes que fizeram a LDBEN vigente. É imperativo, para além do amparo legal, ações de inclusão e integração efetivas. Há necessidade das escolas encontrarem “formas de educar com sucesso estas crianças” vem de longa data. Todos esses desafios, que se agravam nesse contexto pandêmico, respingam na falta de uma política de educação que atenda “a tudo e a todos” sem exceptuar ninguém (COMÉNIO 1957).

Atender a solicitação do MEC frente ao cumprimento do calendário escolar “ainda este ano”  passa pelo apoio desse ministério aos estados e municípios, a partir de diferentes ações, a saber: aparelhar os estados e municípios no apoio aos alunos de escolas mais carentes, levantamento das dificuldades sejam pedagógicas, sejam emocionais, ligadas às crianças frente ao isolamento social e levantamento das perspectivas da volta às aulas, seguindo devidamente as recomendações da OMS. E, ao lado disso, oferta de formação continuada aos professores com oportunidade de estudo, discussão e partilhas de experiências, potenciadas pela tecnologia digital, enquanto o isolamento social durar. Para um plano de atendimento ao calendário letivo, quando apropriado, emerge o ensino híbrido, cuidadosamente implementado, de modo a atender também, não apenas a carga horária exigida, mas o pedagógico— favorável à aprendizagem do aluno. Ademais, o “novo normal” difundido não se encerra apenas ao acesso e domínio da cultura digital, pede também mudança de acolhimento aos alunos, na estrutura e organização dos espaços educativos - o que está a depender do apoio das devidas instâncias para que estas ações sejam asseguradas.

Por isso, afirmamos que saídas para o profundamento da crise da educação que tomou conta do país exigem, em primeiro lugar, atenção cuidadosa do MEC na direção de atender aos estados e municípios, oferecendo condições objetivas de ação, a exemplo de outros países que, igualmente, buscam e implemetam saídas motivados pelas mesmas razões aqui arroladas. Investimentos, atendimento psicológico, acolhimento aos docentes (quando necessário), fazer valer as prioridades que não se encerram no cumprimento do calendário, mas na aprendizagem dos alunos, convertendo-os em estudantes todos os alunos e alunas, incluindo os que necessitam de atendimento diferenciado. O apoio para a complementação da carga horária diária, a partir da flexibilização sem prejuízo ao pedagógico, como medida razoável.

Finalmente, “transferir” aulas presenciais para aulas à distância, em que pese o esforço de alguns docentes, reproduzindo as fragilidades do ensino presencial, sem rever suas crenças, é apropriar-se de um “faz de conta” inspirado na improvisação e indiferente à necessidade de estímulos para que as crianças e jovens aprendam participando da construção do saber. Ao invés do uso  ininterrupto de vídeos sem pausas para a reflexão, como se o aluno fosse “um criado mudo diante da tela”. Ao contrário, o ensino deve ser um processo de troca, de participação, de dialogicidade. De outra forma, em nada contribui para a qualidade pretendida e os fins educativos projetados. A partir da compreensão dessas fragilidades, é preciso pensar novas experiências de ensino sem necessariamente reproduzir velhas crenças, velhos costumes, velhas práticas. É posssível, assim, evitar a mera “transferência” de conteúdos, “entregues” sem interação alguma entre os sujeitos do processo dito educativo. Nenhuma forma de ensino será melhor que o ensino presencial, mas na impossibilidade deste, o que fazer? É necessário encontrar saidas. Saídas que tirem as travas do tempo interrompido.

Diz-se “melhor fazer alguma coisa que fazer nada”, mas esta alguma coisa não pode ser coisa ruim, nem coisa pouca, nem feita de qualquer maneira. Pede estrutura, investimentos, trabalho coletivo (não transferido), pede discussão, entendimento, pede preparo dos professores, pede diálogo com os pais, professores e alunos, pede cuidado— “contrário de descaso e descuido”. Nenhuma projeção de mudança é possível sem atender a pressupostos pedagogicamente pensados e alinhados com o desenvolvimento de alunas e alunos, a partir de uma educação democrática, inclusiva e de qualidade, seja de perto, seja distante—,  pois a questão da qualidade, interessa a todos.

 

Aracaju, 30 de junho de 2020.

 

*Eliana Romão é professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe, Doutora em Educação pela UNICAMP.

**Saulo Silva é professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe, Doutor em Filosofia pela UFBA.

 

REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

COMÉNIO, João Amós. Didática Magna. Lisboa: Opera Didactica Omnia, 1957.

KANT, Imanuel. Sobre Pedagogia. Trad. Francisco Cock Fontanella.  Piracicaba: UNIMEP, 2006.

NIZA, Sérgio. Da exclusão à inclusão pedagógica. In: (org. NOVOA, António et. al.) Sérgio Niza: escritos  sobre educação. Lisboa: Tinta da China, 2015.

MEC.  Norma técnica no. 32/2020/ASSESSORIA-GAB/BM/GM. Processo 23001.000334/2020-21.

LARROSA, Jorge. Esperando não se sabe o quê:  sobre ofício de professor. BH: Autêntica, 2018.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas, mascaradas. Belo Horizonte: Autênticas, 1999.

ROMÃO, Eliana. Educação de bocadinho em bocadinho: criança & leitura. Curitiba: CRV, 2020.

ROMÃO,  Eliana. O professor-tutor, os ruídos dos meios e o silêncio virtual dos inocentes. In: BEZERRA, Ada (org.). A questão da Prática e da Teoria na Formção de Professor. Fortaleza: UFC, 2012.

SUJOMLINSKI, Vasili. Pensamiento  Pedagógico.  Moscou: Editorial, 1975.

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