Situação na Turquia nos diz: é preciso defender a autonomia universitária

Notícias

Criado para defender os princípios fundamentais da Magna Charta Universitatum, documento que norteia os valores autônomos, científicos, libertários e humanísticos das universidades mundo afora, o Observatório Magna Charta Universitatum, sediado na Universidade de Bolonha (Itália), a mais antiga do mundo ocidental, fez um alerta em que se diz “preocupado com a violação da autonomia das universidades na Turquia”, governada pelo presidente Recep Erdogan, político que chegou ao governo central do país em 2003 e desde então concentrou poderes ao longo dos últimos anos reprimindo opositores de maneira violenta.

Em documento divulgado no último dia 11, o observatório ressalta o fato mais recente que ameaça o princípio da autonomia universitária na Turquia de Erdogan: a nomeação, no primeiro dia deste ano, do professor Melih Bulu como novo reitor da Universidade Bogazici, uma das instituições de ensino e pesquisa mais importantes daquele país. Melih Bulu não é integrante do corpo docente da universidade turca e tem proximidade com as atividades político-partidárias do AKP, o partido do presidente.

 “Isso viola as regras e práticas estabelecidas de governança universitária e infringe a autonomia da universidade. Além disso, o envolvimento do professor Bulu no partido AKP é visto como evidência de um possível motivo político para sua nomeação. É uma violação da Magna Charta Universitatum, que vê as universidades como moral e intelectualmente independentes de toda autoridade política e poder econômico”, diz Sjibolt Noorda, presidente do conselho de gestão do observatório, em carta ao Conselho de Educação Superior da Turquia. No alerta divulgado pelo observatório, Noorda pede que o documento seja respeitado para que a Universidade Bogazici “possa alcançar seu potencial em benefício da Turquia”.

A versão mais recente da Magna Charta Universitatum data de 1988, ano em que a Universidade de Bolonha comemorou 900 anos de sua fundação. O documento respeita as diretrizes balizadoras das Nações Unidas e se tornou referência para os princípios fundamentais das universidades, celebrando os seus valores e incentivando as tradições universitárias e os vínculos entre as instituições. Atualmente, a Carta possui 904 universidades signatárias, de 88 países ao redor do planeta. A Unesp é uma das 13 brasileiras signatárias, assim como USP e Unicamp.

Retrato brasileiro

No rol daquelas instituições que se comprometem a seguir os princípios e os valores da Magna Charta Universitatum, estão também sete universidades federais brasileiras, integrantes de uma rede de unidades educacionais federais de ensino superior sob o comando direto do Ministério da Educação (MEC). Boa parte dessa rede federal convive, desde 2019, com interferências externas que guardam semelhança à violação da autonomia universitária na Turquia que motivou o alerta do Observatório Magna Charta Universitatum.

De acordo com o levantamento mais recente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), desde o início de seu mandato, há pouco mais de dois anos, o presidente Jair Bolsonaro já escolheu 14 reitores de universidades federais que não venceram as eleições em suas comunidades acadêmicas, como ocorreu recentemente na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Além disso, também nomeou outros cinco reitores “pro tempore”, sem um processo de consulta à comunidade. 

Conforme determina o Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996, é prerrogativa do Presidente da República nomear os reitores nas universidades federais, com base em listas tríplices elaboradas pelo colegiado máximo dessas instituições. Mas não há, na história recente do Brasil democrático, nenhum paralelo dessa série de escolhas presidenciais preterindo a primeira indicação feita pelas universidades. 

O Artigo 207 da Constituição Federal de 1988 determina que “as universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, concordante com o primeiro princípio fundamental da Magna Charta Universitatum, que diz o seguinte: “A Universidade é, no seio de sociedades diversamente organizadas e em virtude das condições geográficas e do peso da história, uma instituição autônoma que, de modo crítico, produz e transmite a cultura através da investigação e do ensino”.

A esse respeito, o professor Pasqual Barretti, reitor da Unesp, acredita que a comunidade universitária brasileira tenha que ler o documento Public statement regarding university autonomy in Turkey, do Magna Charta Observatory. “É preciso ficar alerta para os riscos de desmanche da autonomia universitária e para interferências ideológicas externas, incompatíveis com a missão e os princípios da universidade brasileira”, diz o reitor.

 

Autor: Fabio Mazzitelli, da ACI Unesp

-----
Leia mais:

Public statement regarding university autonomy in Turkey
- Magna Charta Universitatum: em inglês e em português

 

 

Veja também