Pandemia, trabalho docente e saúde mental: uma equação difícil de resolver

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Bárbara Nascimento*

Estamos cansados/as, com medo, enlutados/as e, nem por isso, com menos afazeres. Para piorar a situação, muitos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros/as vivem o drama de não ter a possibilidade de cumprir o distanciamento social necessário em tempos de crise sanitária porque não foram dispensados do trabalho presencial. Para outros, que desenvolvem atividades de trabalho remotas desde quando a pandemia se alastrou pelo Brasil, é a ameaça do retorno presencial - sem que seja garantida a vacina para todas as pessoas - o que apavora. Esse é o caso das professoras e dos professores da Universidade Federal de Sergipe e de diversas instituições de educação do Brasil.

Segundo pesquisa realizada em 2020 pelo Grupo Estudo Trabalho e Sociedade (GETS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em parceria com a Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir), do total de trabalhadores entrevistadas(os), 34,44% estão exercendo suas atividades laborais por mais de oito horas diárias e 17,77% trabalham os sete dias da semana. Para quase metade dos participantes do estudo (48,45%), o ritmo de trabalho ficou mais acelerado na modalidade home office. E para as mulheres a sobrecarga é ainda maior. Relatos das entrevistadas nesta pesquisa apontam para um velho problema: acúmulo de tarefas de casa, preparo de refeições para toda a família, educação e cuidados com os filhos e filhas.

Conversamos com Zenith Delabrida, psicóloga e professora do Departamento de Psicologia da UFS, que atua na área de Psicologia Ambiental, sobre os impactos da pandemia e das novas rotinas para a saúde mental de docentes.

Ao falar sobre a ampliação da carga horária a partir do trabalho remoto, a psicóloga nos convida a olhar para a relação histórica tempo-espaço. “A gente organiza as nossas atividades em função do espaço, é o espaço que nos ajuda a regular quanto tempo gastamos com cada atividade. Com a pandemia e estando mais em casa, a gente acaba sobrepondo atividades no mesmo espaço. A vida pública e a vida privada ficam sobrepostas e muitas vezes acabam se chocando. Em função das medidas sanitárias não-farmacológicas como o isolamento social, perde-se o recurso de que o espaço era o seu regulador das suas atividades. E acaba sendo necessário desenvolver outras estratégias para que seja possível regular o tempo para o desenvolvimento de cada atividade”.

O tempo de exposição aos computadores também foi destacado pela psicóloga como um dos fatores que pode resultar em problemas de saúde. Zenith chama a atenção para três aspectos: “os oftalmologistas sinalizam para o aumento dos casos de miopia, por exemplo. Outro impacto é a alteração metabólica, porque acabamos ficando mais sedentários, já que as locomoções se reduzem por estarmos basicamente em um único espaço. E uma terceira consequência é a questão nutricional, pois a depender de como as atividades são reguladas, se altera também a alimentação. É um pacote, na verdade, que está associado ao fato de se usar um mesmo ambiente para diferentes atividades, ao contrário do que tínhamos antes, vários ambientes para cada uma dessas atividades”, pontua.

Ameaça

A ameaça permanente de volta às aulas sem que haja uma política de segurança e vacinação em massa acarreta mais prejuízos ao trabalho docente. Para Zenith, essa situação promove desequilíbrios e afeta negativamente o desenvolvimento das atividades, “é um dificultador do trabalho docente já que este é um trabalho que demanda planejamento. A gente sabe que a pandemia é algo desorganizador por si só, mas a gente sabe também que como se lida com a pandemia pode possibilitar maior ou menor planejamento. A pandemia tem impactos negativos, mas há formas de minimizar e há formas também de estabelecer metas e prazos que contemplem as necessidades da área de educação. Isso impacta claramente a nossa rotina porque você tem que se planejar pro plano A, que é o ensino remoto, e pro plano B, que é o ensino presencial. Isso seria saudável se fosse algo planejado, mas se é feito de forma abrupta, torna-se mais difícil”.

A professora da UFS defende que é necessário fazer um planejamento para quando forem possíveis as atividades presenciais e, enquanto isso significar risco de vida, ter a tranquilidade de que o trabalho remoto ainda vai durar um certo tempo. Zenith lembra também do bom ensinamento do psicólogo canadense Albert Bandura sobre a autoeficácia, uma percepção de estar conseguindo agir na realidade. E traz algumas dicas para a manutenção da saúde mental. “Estratégias que cada um de nós puder estabelecer para ter uma sensação mesmo que pequena de autoeficácia é muito importante. Outro aspecto é a relação que estabelecemos com essa mudança, como gerenciamos isso. A casa virou ambiente privado e público, mas é importante setorizar a casa na medida do possível. Mesmo que provisoriamente, definir os espaços e a duração do tempo de ficar nos espaços, especialmente no que for relacionado ao trabalho”, salienta.

Natureza é saúde

A conexão da humanidade com a natureza também tornou-se mais evidente com o isolamento em razão da pandemia. “A gente já sabe que essa relação com a natureza é muito importante e a relação pessoa e ambientes naturais é fundamental, então a dica é ter o verde dentro de casa, pois alguma forma de contato com a natureza é um elemento protetivo de saúde mental”, destaca Zenith.

A professora sugere ainda que, mesmo com as rotinas de trabalho e outras tarefas, é fundamental ter um espaço para o encontro consigo mesmo. “Seja para realizar suas orações, meditar, relembrar coisas boas da vida ou para lembrar das pessoas que você ama. Fazer com que a sua casa promova essa restauração através do autocuidado. O que proponho é que as pessoas usem o espaço da casa para promover saúde mental. É uma estratégia efetiva que pode ser construída coletivamente pelos que partilham a casa ou individualmente para as pessoas que têm essa demanda de cuidado com a sua saúde mental”, finaliza.

*Bárbara Nascimento, jornalista, integrante da Assessoria de Comunicação da ADUFS.

 

 

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