A educação brasileira está à deriva

Notícias

César Nunes e Eliana Romão*

 

A dramática tragédia dos dias atuais causa-nos assombros. Estamos abalados pela constante prática e consequente exposição diária da violência, da desumanização produzida pela barbárie, pela predominância da agressão e pela falta sensibilidade amorosa. Não recebam nossa voz com pendão para a pieguice, mas temos sentido que as pessoas (a grande maioria) parecem ter criado escamas nos olhos: veem e não enxergam.

A educação brasileira está fora dos gonzos e, quando a educação de um país está fora dos trilhos, fora dos trilhos também ficam a saúde, a política, a sociedade, o cidadão e a cidadã que cambaleiam sob a égide de uma liderança frágil, assustada e desprovida de credibilidade. E toda essa crise respinga em todos os cantos, todas as áreas, todos caminhos, todas as idades – desde o nascimento de uma criança, conforme advertira Hanna Arendt.

E se educação é uma forma de receber os que nascem, é certo, igualmente, que estamos a nascer diariamente em diferentes contextos, para cada propósito, para cada lugar, para cada ocasião. Mas quantas ocasiões perdidas são criadas neste tempo, neste instante e quantos estragos são causados naqueles que nascem, sobretudo, pelo descaso e descuido para com a educação – e falta de responsabilidade daqueles que por ela respondem? Educação, nascimento, responsabilidade andam lado a lado. E o nascimento, uma vez potenciado pela educação, vem para fazer valer a elevação e evolução de sua condição humana.

Ninguém duvida da importância da educação na vida das pessoas, na transformação da sociedade, e embora não seja a chave para sua transformação, “sem ela tampouco a sociedade muda”, já ensinou Paulo Freire. Nem todos, todavia, levam a sério a educação. Explicamos: mais parecem seus inimigos que seus amigos, mais parecem seus traidores que seus defensores, mais parecem seus antagonistas que seus aliados, mais parecem seus adversários que seus companheiros. Covardes! Nem a criança os afeta.

Cruéis! Inimigos da humanidade.

Thiago de Mello nos acalenta e pede paradas de reflexão. Acordamos pensativos na busca de fragmentos para alimentar nossa esperança. Tantas coisas tristes acontecendo em nosso país. A saída, mais uma, pelas portas dos fundos da história, de mais um ministro menos que medíocre, que participou de um assalto inescrupuloso de manipuladores pseudorreligiosos ao dinheiro público da educação, acobertado pelo presidente ora no poder, que chegou a declarar em alto e bom som: “boto minha cara no fogo por ele”. Teríamos o seu criador com o rosto queimado?

O ministro mequetrefe, entrega, enfim, uma carta pedindo demissão amparado numa peneira esburacada para se defender “das acusações de propinas para facilitar o repasse de verbas para municípios”, “preservar sua imagem”, provar que não ouve “tráfico de influência dentro da pasta”, elucidar os combinados com os religiosos, pastores de propinas.

O ex-ministro teria muito mais a defender para além de sua honra. Seus descompassos não se resumem apenas ao fato em epígrafe que gerou o seu afastamento, a exemplo de sua má interferência no Enem (confusões de inscrições, de notas, de sua realização, questões das provas, entre outras) e da pior crise no INEP dos últimos anos, quando “dezenas de servidores pedem demissão” em meio ao “desmonte do ministério”.

Além de sua mentalidade equivocada sobre acesso ao Ensino Superior, seu descaso com os órgãos de pesquisa (Capes, CNPq, etc.), sua inércia frente aos efeitos da pandemia nos sistemas de ensino, em particular na educação básica, sua ausência total de autonomia, entre outras...As acusações não são poucas, nem fúteis, nem, menos ainda, recentes.

Acrescente-se que o ex-ministro ao se furtar de explicar ao Senado as suspeitas em pauta, agrava ainda mais sua situação entrando numa contradição irreparável e aumentando as suspeitas que carrega sobre seus ombros. Não seria uma boa ocasião para se explicar, Sr. Ministro? De que teria medo?

A gravidade aumenta quando a perspectiva de preencher o vazio não ocorrerá com a posse de mais novo ministro, ainda mais interino, ao menos que a autoria das escolhas não seja mais a mesma. Ou seria mera coincidência o fracasso na troca de cinco ministros num mesmo governo?

Isso entristece. Causa-nos vergonha, indignação e profundo mal-estar.

“O tempo está fora dos gonzos”, a educação brasileira está à deriva, desde 2016. São sete anos de destruição. Não podemos deixar de tomar partido! Não podemos deixar de manifestar nosso grito – de celebração de uma cadeira que volta a ficar vazia, mas um grito também de dor, pois que a educação brasileira nunca esteve tão à deriva e os estragos desse tempo clamam por nova liderança. A perspectiva de mudança se abre, se avizinha e se vê somente depois de mudar também a autoria desses estragos, insistimos.

Responder pela pasta da educação e cuidar, no sentido mais genuíno da palavra, não é para qualquer um ao acaso. Essa pessoa precisa ter preparo e, antes de tudo, uma nova postura ético-política. Ética do bem, de uma conduta exemplar, irreparável, pela elevação da existência humana. Priorizar liberação de verbas da educação sem critérios, ou melhor, se valendo de critérios escusos para recepcionar os amigos do rei e “atender aos pedidos especiais” dele, por meio de “negociação indevida de verbas federais” do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), conforme publica a Folha de São Paulo, é desastroso.  

E este esquema, de acordo com a mesma fonte, ocorre desde o início de 2021. O destino de recursos públicos da União para Educação Básica está a exigir, ressalta Comitê Diretivo da Campanha Nacional de Educação, “critérios e processos transparentes e não estar sujeita a barganhas políticas” sob pena de violar direitos constitucionais e deixar de fazer valer à educação como prioridade e direito de todos.

É preciso dizer basta. É preciso investigar e punir. É preciso indignar-se e tirar as escamas dos olhos. Ver enquanto vida tiver, “mesmo que costurem meus olhos”. A educação brasileira está fora dos gonzos.

O que foi profetizando pelo poeta Thiago de Melo resume melhor o que sentimos e queremos dizer.

 

A luz que me abriu os olhos

Para a dor dos deserdados

E os feridos de injustiça,

Não me permite fechá-los

Nunca mais, enquanto viva.

Mesmo que de asco ou fadiga

Me disponha a não ver mais,

Ainda que o medo costure os meus olhos,

já não posso deixar de ver: a verdade me tocou,

com sua lâmina de amor, o centro do ser.

Não se trata de escolher entre cegueira e traição.

Mas entre ver e fazer de conta que nada vi

ou dizer da dor que vejo

para ajudá-la a ter fim,

Já faz tempo que escolhi.

(Thiago de Melo)

 

Saudações,

César Nunes é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Eliana Romão é professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

 

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Veja também