Carta de Salvador

Sindicato Nacional

Com o tema Em defesa da educação pública e dos direitos da classe trabalhadora. 100 anos da reforma Universitária de Córdoba, realizou-se, entre os dias 22 e 27 de janeiro de 2018, na cidade mais negra fora da África, Salvador, capital do estado da Bahia, o 37º CONGRESSO DO ANDES-SN. Sob a organização da ADUNEB Seção Sindical, o maior congresso da história do ANDES-SN em número de participantes e de seções sindicais contou com 415 delegados(as), 122 observadores(as), que representaram 82 seções sindicais espalhadas nas Instituições de Ensino Superior de todo o país.

Nos primeiros momentos do congresso, os mais de quinhentos participantes vibraram ao som e ao ritmo da banda jovem da Escola de Tambores Olodum. Depois foi a capoeira, que é dança, que é luta, que é resistência, transformando o auditório num grande terreiro, como a reviver os rituais dos escravos para manter sua identidade cultural e preparar-se para o confronto com os senhores, como na revolta dos Malês, há 183 anos, ou o entusiasmo que animou a Reforma Universitária de Córdoba (Argentina) há cem anos.

A plenária de abertura realizou-se imediatamente após as apresentações culturais, contando com a participação de várias entidades do movimento sindical, popular e estudantil, numa demonstração inconteste dos esforços de unidade que o Sindicato vem desenvolvendo com vistas ao enfrentamento dos desafios postos pela conjuntura.

Na plenária do tema I, os debates sobre a conjuntura evoluíram como se fossem uma imensa roda de capoeira, durante mais de cinco horas. Embates entre pares – como os(as)s capoeiristas – se expressaram nas resoluções para a inevitável e necessária luta contra o inimigo comum: o governo, o capital e seu projeto de destroçamento dos direitos dos(as) trabalhadores(as). Temas, como as contrarreformas e os ataques desferidos contra a classe trabalhadora, expandidos e aprofundados pelo governo ilegítimo de Michel Temer, a seletividade da justiça no julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o balanço das mobilizações e greves realizadas no último período, deram o tom das discussões.

Após mais de cinquenta intervenções, os(as) congressistas aprovaram a centralidade da luta para 2018: “Fortalecer a unidade de ação com os setores dispostos a barrar e revogar as contrarreformas. Construir as lutas e a greve do funcionalismo público federal, estadual e municipal em defesa da educação e dos serviços públicos e da garantia de direitos, rumo a uma nova greve geral. Fora Temer. Nenhum direito a menos”. Eis a linha orientadora que nos guiará nos próximos embates e que será materializada no plano de lutas apresentado nos 66 Textos de Resolução (TR), discutidos nos doze grupos mistos e deliberados em plenárias.

Para a imensa maioria dos(as) participantes, o ANDES-SN deve continuar filiado à CSP-Conlutas, envidando esforços pelo aprofundamento da democracia interna na central e pela capilarização no movimento social e sindical brasileiro. Decidiu-se, ainda, pelo aprofundamento da luta contra medidas que atacam os(as) trabalhadores(as), tais como: a PEC 287/16 da contrarreforma da previdência, lastreada em números forjados sobre o falacioso déficit da previdência social; a MP 805/17 e suas correlatas no plano dos estados, que aumentam a contribuição previdenciária de 11 para 14%; o PL 116/17, que estabelece regras para a demissão de servidor(a) público(a) estável por "insuficiência de desempenho"; a MP 792/,17 que trata de desligamento voluntário de servidores(as) públicos(as).

Na perspectiva dos(as) congressistas, tais enfrentamentos exigem o fortalecimento de espaços de luta, como a CSP-Conlutas, o FONASEFE, a CNESF e outras organizações sindicais de servidores(as) públicos(as) com vistas à realização de uma greve geral do serviço público (federal, estadual e municipal). Essas atividades são parte da construção de ampla unidade com os movimentos sociais, sindicatos e centrais sindicais na construção de uma nova greve geral no país. Nessa direção, o 37º Congresso aprovou uma carta dirigida às centrais sindicais, conclamando-as para essa construção, entendida como único instrumento capaz de derrotar a agenda regressiva imposta aos(às) trabalhadores(as) e à sociedade pelo governo ilegítimo de Temer.

Esteve em evidência a Comissão da Verdade do ANDES-SN que, doravante, deve atuar em unidade com o GT de História e Memória do Movimento Docente (GTHMD), reafirmando a necessidade de apuração e denúncia dos crimes da ditadura empresarial-militar e suas reminiscências nos rituais, na estrutura e nas normas das IES. Deliberou-se, ainda, pela criação de uma comissão com o fim precípuo de levantar e denunciar casos de assassinatos, perseguições, investigações, judicializações e criminalizações de caráter político. Parte integrante da truculência que marca o exercício do poder no Brasil tem se expandido na presente conjuntura, inclusive pelo manejo do poder judiciário e das polícias em operações espetaculosas que difamam e desmoralizam instituições e pessoas. Tais práticas já deixaram marcas indeléveis no cotidiano universitário, com perseguições a dirigentes sindicais e estudantis e conduções coercitivas e prisões injustificadas de administradores(as) de universidades públicas.

Para os(as) participantes do congresso, a seletividade da justiça e as violações de direitos sofridas por parte da comunidade acadêmica são corolário de uma conjuntura marcada por um ataque sistemático aos direitos democráticos. Nessas circunstâncias, o levantamento e a denúncia de tais violações devem ser acompanhados de irrestrita solidariedade às pessoas e/ou instituições sociais agredidas, pois, se a autonomia é horizonte incontornável do projeto de universidade que defendemos, a liberdade é valor supremo invocado com o mesmo fervor do guerrilheiro baiano Carlos Maringhela: “Queira-te eu tanto / e de tal modo em suma / que não exista força humana alguma / que esta paixão embriagadora dome / E que eu por ti, se torturado for / possa feliz, indiferente à dor / morrer sorrindo a murmurar teu nome”.

Quanto à política de seguridade e saúde dos(as) docentes, o congresso reafirmou um conjunto de atividades em curso em defesa da previdência social universal, contra os planos complementares e a privatização dos hospitais universitários por meio da EBSERH. Destacou a importância das pesquisas sobre a saúde do(a) trabalhador(a) docente e sobre regimes próprios de previdência social nos estados, instando o Sindicato a publicar os resultados e a realizar a segunda jornada nacional de mobilização dos(as) aposentados(as).

À luz dos princípios orientadores do projeto de universidade mencionados no Caderno 2, os(as) participantes do 37º Congresso realizaram intenso debate sobre política educacional e de ciência e tecnologia nas circunstâncias da agenda regressiva em curso. Refirmaram, nessa seara, a unidade de ação com diversos movimentos que vêm se pronunciando contrariamente aos cortes nos orçamentos da educação superior e do complexo público de C&T. Deliberaram pelo fortalecimento do Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública (MCTP) e pela intervenção em espaços como “Marcha pela ciência”, “Fórum Social Mundial”, “Reunião da SBPC” com atividades que garantam ampla discussão dos materiais produzidos pelo Sindicato e decidiram intensificar o debate sobre o sistema de avaliação da CAPES e sua relação com a pesquisa, a extensão e a pós-graduação em seminários nacionais e locais.

Na seara da política educacional, deliberou-se por um conjunto de ações que pretendem fazer frente aos retrocessos que se tentam impor ao setor seja por meio de cortes orçamentários, instrumentos legais e administrativos, seja por iniciativas, como o famigerado projeto escola sem partido. Decidiu-se, pois, que o Sindicato fará debates, estudos e publicações sobre financiamento, o documento do Banco Mundial “Um ajuste justo”, os regimes de trabalho nas universidades públicas, os dados da educação a distância, a situação de trabalho dos(as) docentes na modalidade a distância, os projetos de lei que visem criar o fundo patrimonial, a Base Nacional Curricular, a Reforma do Ensino Médio, as ações e processos de inclusão nas IES de pessoas com deficiência e a política de formação docente. Além de municiar a ação política do Sindicato na defesa da educação pública como direito inalienável e do projeto de universidade que defendemos, as ações sugeridas integrarão uma agenda de lutas mais amplas contra os retrocessos em curso.

O congresso reafirmou a importância das articulações políticas no interior da Coordenação Nacional das Entidades em Defesa da Educação Pública e Gratuita (CONEDEP) para a construção do III Encontro Nacional de Educação (ENE), a ser realizado no segundo semestre do corrente ano, precedido de etapas estaduais. Decidiu, ainda, que o ANDES-SN participará da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE), organizando intervenção política via seções sindicais e secretarias regionais, em articulação com as demais entidades da CONEDEP, defendendo o projeto de educação empalmado por essas entidades. O Sindicato produzirá nota política contendo análise crítica sobre os objetivos da CONAPE e orientando a intervenção dos filiados e filiadas consoante as deliberações do II ENE.

As discussões em torno da política de classe, gênero, etnia e diversidade sexual se fizeram com tão grande paixão que era como ecoassem o lema de Rosa de Luxemburgo “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Nessa direção, as deliberações reafirmaram a posição do ANDESSN em defesa da legalização do aborto, de políticas públicas de saúde direcionadas aos direitos sexuais e reprodutivos; contra os dispositivos inseridos na PEC 181/15 que, sob a alegação de proteger a vida desde a concepção, impedem e criminalizam o aborto no caso de estupro, risco de morte ou feto anencéfalo.

Quanto aos direitos e dignidade da população LGBT, de indígenas, de quilombolas e de povos ciganos, o congresso não deu tréguas às odiosas formas de preconceito que se instilam no tecido social e se destilam em práticas e condutas violadoras da pessoa humana. Como efeito, deliberou por implementar lutas pelo acesso ao ensino superior dessas populações e por políticas que garantam sua permanência nas universidades. Decidiu, ainda, que o Sindicato envidará esforços no levantamento de informações sobre o perfil étnico-racial, de gênero, orientação sexual, uso do nome social nas IES e elaborará cartilha que subsidie o combate ao assédio sexual e à violência de gênero, racismo, LGBTfobia, capacitismo, xenofobia, romafobia e preconceito geracional. Além disso, lutará pela criação de espaços para receber denúncias e acolher as vítimas de tais violações dentro das universidades e pela inserção de disciplinas relacionadas às questões étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual na graduação e pós-graduação. Merece destaque a criação da Comissão de Enfrentamento ao Assédio nos Congressos e CONADs do ANDES-SN como instrumento para fazer frente a todas as formas de violência contra a mulher, o assédio moral e sexual, a LGBTfobia, a homofobia, o racismo, a xenofobia, o etarismo e todas as formas de preconceito nesses espaços organizados pelo Sindicato.

Se tais resoluções se embasaram no cabedal teórico e político acumulado até aqui pelo Sindicato, verdade é também que se inspiraram na coragem dos depoimentos de professores e professoras gays, lésbicas, bissexuais reunidos no documentário “Narrativas docentes, memória e resistência LGBT”, produzido pelo ANDES-SN e lançado no congresso.

Noutro documentário, “Narrativas docentes – Memória e resistência negra”, professores(as) foram convidados(as) a exibirem seu repertório de vida – vida de negros e negras para quem a dignidade é uma conquista cotidiana. Nesse sentido, a reafirmação da posição do ANDES-SN pelas cotas étnico-raciais se deveu, também, àqueles depoimentos encarnados, que capturaram nossa razão e emoção. Não haveria forma mais adequada de convocar à luta contra as expressões, ainda hoje vigentes, do horrendo crime de lesa-humanidade – a escravidão dos negros e das negras. Crime afiançado pela aliança da cruz e da espada determinada a dominar o corpo e o espírito de imensas levas de gentes arrancadas de sua pátria e de seus povos na África, que mereceu lancinante súplica de Castro Alves, o poeta dos(as) escravos(as): “Senhor Deus dos desgraçados / Dizei-me Vós, Senhor Deus, / se eu deliro... ou se é verdade / tanto horror perante os céus?!”. Nunca será demais nem suficiente a luta pela redenção desse horror.

As deliberações na seara da política agrária, urbana e ambiental se dirigiram à premência da luta em defesa da demarcação integral dos territórios onde vivem quilombolas, indígenas e povos tradicionais. Nessa direção, o congresso pronunciou-se pelo fortalecimento da FUNAI com gestão democrática e orçamento suficiente para implementação das políticas a ela pertinentes. A defesa do meio ambiente foi também realçada como luta prioritária do ANDES-SN, contra a utilização predatória e indiscriminada de agrotóxicos, a transposição das águas do Rio São Francisco, a privatização dos mananciais de água doce e o avanço das mineradoras sobre Áreas de Proteção Ambiental (APA) e territórios indígenas e de povos tradicionais.

Preocupados(as) com os ataques às instituições públicas de ensino superior, os(as) participantes do 37º Congresso deliberaram pelo fortalecimento da Frente Nacional em Defesa das Instituições Públicas de Ensino Superior em todos os estados e pelo lançamento da Frente no Fórum Social Mundial, que ocorrerá em Salvador, em março do corrente ano, e realização da semana de lutas do Setor das IEES/IMES em maio de 2018 contra a apropriação do fundo público pelo capital privado. Para o setor das IFES, os(as) congressistas deliberaram pela construção de campanha dos SPF articulando com FONASEFE e CNESF, a partir dos eixos organizativos da pauta, de estratégias de ação e de calendário, integrando e consolidando a unidade política de ação do setor do funcionalismo público federal. Aprovaram, ainda, a necessidade de reafirmar e atualizar a pauta de reivindicações do setor das IFES aprovada em 2017 para protocolizá-la no MEC e no MPOG.

Os fragorosos debates nos grupos mistos e plenárias durante os cinco dias de congresso deram prova do vigor da categoria docente no combate aos desafios postos pela conjuntura. Foram também prova de força do nosso Sindicato a aprovação do retorno da ADUFMS à nossa base, a reorganização da SSIND UNICERRADO e o referendo da ADESFATEC. Vai na mesma direção de fortalecimento do Sindicato a criação do Fundo Nacional Permanente de Solidariedade aos(às) docentes que tenham sofrido cortes ou suspensão de salários e o registro de duas chapas para concorrerem no processo eleitoral da diretoria do Sindicato, para o biênio 2018-2020.

A plenária final ocorreu no início da madrugada do dia 28 de janeiro sob a lua tímida que se escondia por trás de um véu branco de nuvens e derramava branda luz sobre o bairro do Cabula. Alimentados(as) pelos debates e resoluções, os(as) participantes saem do 37º Congresso mais fortes para o enfrentamento dos desafios postos pela conjuntura, como os(as) capoeiristas que se fortalecem na dança para a luta contra o inimigo. Revigorados(as), os(as) lutadores(as) vindos(as) de diversas partes do país comungam do mesmo sentimento expresso nestes versos: “A mão que toca um violão / se for preciso faz a guerra / O mesmo pé que dança um samba / Se preciso vai à luta / Capoeira. / Porta bandeira, capoeira / Desfilando vão cantando / Liberdade”.

Salvador, estado da Bahia 28 de janeiro de 2018.

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