O engodo do novo PDV do serviço público

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No final do ano passado, foi promulgada a  Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos públicos. A famosa PEC dos gastos públicos foi encaminhada pelo governo de Michel Temer ao Legislativo com o objetivo de equilíbrio das contas públicas, por meio de um suposto mecanismo mais severo de controle de gastos. Causou muito burburinho e estardalhaço, pois os órgãos públicos já se viam com déficit orçamentário e já preveem o sucateamento de seu funcionamento. Houve órgãos que ventilaram e efetivaram, inclusive, a suspensão do funcionamento, por ausência de recursos para atividades básicas, além de desligamento de estagiários, redução de horário de expediente, fim do ar condicionado, entre outras medidas. E a partir de então estão todos “enxugando gelo” e quem passa nessa pista molhada somos nós, que precisamos do serviço público para sobreviver.

Foi só o prelúdio. Quinta feira desta semana, 27 de julho de 2017, foi publicada no Diário Oficial da União, a MP 792 com mais essa roupagem de contenção de gastos e foi instituído, então, no âmbito do Poder Executivo federal, o programa de desligamento voluntário, a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional e a licença sem remuneração com pagamento de incentivo em pecúnia, destinados ao servidor da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Das três possibilidades oferecidas pela MP 792, hoje vamos nos debruçar sobre o PDV – Programa de Desligamento Voluntário, onde o servidor poderá manifestar intenção irretratável de rompimento do vínculo funcional com a administração pública federal, requerendo sua exoneração, a qual só tem validade com a publicação do ato de exoneração. É abandonar o serviço público, a estabilidade funcional, a aposentadoria estatutária.

 A instrumentalização do PDV com os critérios de adesão ao programa, como órgãos e cidades de lotação dos servidores, idade, cargos e carreira abrangidos, além de quantitativo máximo de servidores quem podem aderir ao PDV ainda será definida por ato do Ministério de Estado, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que assim o fará a cada exercício.

No entanto, os critérios gerais já foram estabelecidos: ao servidor que aderir ao PDV no prazo estabelecido será concedido, a título de incentivo financeiro, indenização correspondente a 1,25 de remuneração mensal, por ano de efetivo exercício na administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, indenização esta que terá como base a remuneração a que fizer jus o servidor na data em que for publicado o ato de exoneração.

A MP 792 deixou em aberto qual seria o conceito de remuneração no que tange o cálculo de indenização do PDV, ficando, em nosso entendimento a lacuna, se o valor bruto da remuneração será considerado, ou se serão feitas as restrições de exclusão de gratificações de desempenho, auxílio alimentação, função gratificada, abono de permanência, adicional de hora extra, adicional noturno, adicional de insalubridade, diárias, etc como listou no capítulo que discute o cálculo da proporcionalidade da jornada de trabalho reduzida e do incentivo em pecúnia da licença sem remuneração, nossos temas da próxima semana.

Essa discussão sobre o conceito amplo de remuneração já é de conhecimento do Poder Judiciário que não tem consenso e já deixa a reticência sobre quanto realmente o Governo vai pagar.

Mas não é só. A par de ainda não ter sido editada a portaria do Ministério de Estado, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, com os critérios mais específicos do PDV, o texto da medida já deixa claro que o pagamento da indenização poderá ser feito dividido, mediante depósitos mensais em conta corrente. Situação esta que o governo até agora não tinha dado o devido destaque. Vamos esperar para ver se, de fato, teremos um seguro desemprego disfarçado, agora para servidor público.

A MP 792 propaga ainda como vantagem de adesão ao PDV, que o servidor que escolher o programa receberá, de uma vez, o passivo correspondente a crédito legalmente constituído de exercícios anteriores, além das férias e gratificação natalina proporcionais a que tiver direito. O que será que acontecerá comas licenças-prêmio adquiridas, mas não gozadas? Vejam que todos estes valores já seriam de direito do servidor, não se trata de nenhum privilégio, sendo questionável se há vantagem em receber um crédito/ dívida já reconhecida pela Administração há anos, referente a exercícios anteriores, sem qualquer atualização(correção monetária e juros).

É só o começo da reflexão. Como dever de casa, vamos todos conversar com  ex-servidores que aderiram ao PDV na década de 90 no governo Fernando Henrique, como andam suas vidas e refletir se foi isto que determinou grande corte nos gastos públicos e quem, de fato, sofreu com este corte.

 

Gabrielle Lobo Santiago é advogada, sócia do Fernandes Advogados Associados, formada pela Universidade  Federal de Sergipe, militante na área de Direito Público, além de consultora de entidades sindicais de servidores. 

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