Infância-Fome-Aparecida

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Por Romero Venâncio*

O dia 12 de outubro no Brasil tinha tudo para ser um dia feliz, decente, humano e onírico. Dia católico dedicado à "padroeira do Brasil” e “dia das crianças”. Dia da infância e da Compadecida. E antes de tudo, feriado!!! Mas o Brasil não existe mais, é uma ficção... O que existe hoje é um “aglomerado de bolhas incomunicáveis” com leituras loucas e opostas sobre o que é um país. Nessas redes sociais, o Brasil virou um monte de paralelismos e de delírio coletivo diário. Um Brasil real perdeu para um amontoado de ficções cada vez mais reais de irrealidade mórbidas. Recomendo a quem tiver fígado e alguma paciência ver a bizarrice de grupos de extrema direita católicos ou protestantes... Paranoia coletiva que anima um povo empobrecido em sua espiritualidade e nas condições materiais.

Porém, nunca esqueçamos de algo fundamental: ficção é ficção e em algum momento o real cobra a fatura. Todo o delírio das redes sociais no Brasil não conseguirá esconder a fome que galopa em vento e popa nos últimos anos nesse país.

Dia 12 de outubro de 2021 deveria ser o dia da reflexão. O número de desempregados é assustador, uma economia destruída para as camadas populares e sempre favorável aos ricos de plantão (das capitanias hereditárias a Paulo Guedes)... A fome tá para ser vista a olhos vistos. Famílias inteiras em situação de rua. Um governo genocida, corrupto e carro-chefe de uma política de ódio e negadora de todas as instituições democráticas, mais 600 mil mortos por Covid e meio mundo de órfãos por este vírus. A quadra histórica é uma das piores dos últimos 40 anos. Uma juventude pobre sem perspectiva de futuro e vivendo à base de migalhas. Um medo estranho rondando o cotidiano de famílias. Um Brasil que tem personagens como “ossos” e “carcaças de peixes”.

A infância padece. Nas ruas. Na marginalidade. Na fome. Na falta de lar. Hoje nesse dia de Nossa Senhora Aparecida amanheci me perguntando onde estão os defensores da família? Onde estão aquelas senhoras bem vestidas de terço na mão bradando por família? Ir para a cidade de Aparecida em São Paulo hoje é fácil para essa gente. Fazer média com o Deus católico é de boa para essa classe média. Uma religião como alívio de consciência é nesse dia a rotina de sempre. Lamentável. Uma Nossa Senhora negra que sofre com as infâncias interrompidas, com trabalhadores atormentados pelo desemprego, com tanta gente sofrida e sem esperança... Essa Nossa Senhora fica escondida e só é encontrada pelo povo que precisa dela. Nesse dia 12 de outubro a Aparecida é a fome. Ou não será nada além de uma estátua como tantas outras.

Romero Venâncio é doutor em Filosofia, professor da UFS e presidente da ADUFS.

 

 

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