UMA TARDE COM LENALDA
Perfil da primeira presidenta da ADUFS
São Cristóvão, 18 de março de 2024. “Eu achei que encontraria o quadro do Beto”. No compasso de seus 72 anos, a professora Lenalda adentra o auditório que leva o nome de seu irmão, o professor Luiz Alberto Santos, ex-presidente da ADUFS tal como ela. Após uma reforma ocorrida no auditório, o quadro não retornara a seu lugar de origem. Cobrança registrada, a ADUFS que lute.
“Já me homenagearam outras vezes, já me entregaram medalhas, mas é a primeira vez que me chamam pra conversar, pra falar da minha experiência”. Lenalda Andrade Santos é formada em História pela Universidade Federal de Sergipe e mestra pela Universidade Federal Fluminense. “Mestrado que banquei sem bolsa, sozinha, foi um tempo difícil”.
Sentada na cadeira da Presidência no alto do auditório, Lenalda tem como expectadoras-participantes a professora Josefa Lisboa, atual presidenta da ADUFS, e Bartira Telles, que ocupa a Vice-presidência. “Tinha que ser uma gestão de mulheres da ADUFS pra ter esta iniciativa”. Ignorando o calor que os primeiros minutos de ar condicionado não consegue debelar em pleno sol de março, a professora narra parte de sua trajetória acadêmica e política.
CADÊ A URNA?
Integrando o quadro docente da UFS desde 1976, a professora fora envolvida no movimento de organização de uma entidade sindical própria. O final dos anos 70 se sacodia nos trancos finais da ditadura civil-empresarial-militar, os Comitês pela Anistia, as ilusões de uma abertura “lenta e gradual” nos termos da caserna militar, o retorno do movimento estudantil à legalidade, a reativação residual do movimento sindical e um reaquecimento geral da sociedade civil em torno das bandeiras democráticas.
As reuniões e listas de apoio para a criação da ADUFS tiveram o protagonismo de mulheres como Socorro Rufino, Claudete Sampaio, Ilka Bichara, Gilza Mota, Terezinha Oliva, além do professor Silvério Fontes, mentor intelectual de Lenalda e, até aquele momento, candidato natural para assumir a primeira Presidência da entidade.
Acontece que no momento da assembleia de fundação do sindicato ocorre uma situação inusitada. Para o espanto de todas e todos presentes no auditório da Faculdade de Filosofia da UFS, onde funciona atualmente o prédio do Ipesaúde, o professor Silvério Fontes foge com a urna de votação, fazendo com que a eleição de fato não ocorresse.
“Ninguém entendeu o que aconteceu na época. Silvério tinha uma relação de trânsito com os setores mais conservadores da universidade, mas ele era a nossa referência. Ele tinha alguns problemas de saúde e uma mania de perseguição, naquele tempo da ditadura. E de fato ele nunca explicou”.
A ação segue sem explicação até o presente momento. Ato contínuo, o professor Silvério Fontes fora registrado como primeiro presidente da entidade, em 1979. Era necessário compor uma comissão que garantisse de fato o processo de escolha. Um novo processo eleitoral é coordenado pela professora Socorro Rufino, a chapa liderada por Lenalda é escolhida para liderar o sindicato.
AS MULHERES DA ADUFS
Apesar de compor uma chapa majoritariamente masculina, as mulheres eram a referência da organização e vanguarda. “Apesar de ter composição masculina, quem me ajudou a dirigir o sindicato foi a professora Ilka Bichara, naquele tempo já no PC do B. A professora Socorro era quem fazia os embates nas greves, com os professores que não queriam respeitar as deliberações da assembleia, e a gente ia de Departamento em Departamento”.
Em depoimento ao professor Fernando Sá, a professora Gilza Mota relata parte da resistência conservadora às ações da vanguarda de mulheres frente a associação, ligada naquele momento ao bispo Dom Luciano José Cabral Duarte. Em artigo denominado HISTÓRIA E MEMÓRIA DO MOVIMENTO DOCENTE NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (1979-1990): De Associação Docente à Seção Sindical do ANDES-SN, o professor expõe:
O preconceito contra essa atuação feminina, por parte de alguns setores universitários, foi registrado pela professora Gilza Gomes, quando um professor do Departamento de Matemática assim lhe falou: “... elas vêm e mandam em tudo. Cadê os homens, rapaz?”
Como presidenta da ADUFS, Lenalda participou do congresso de criação da ANDES, em Campinas, em 1981. Participava de todas as mobilizações e reuniões nacionais para a formação de um sindical nacional, naquele momento sob as amarras de uma associação, visto que o serviço público não podia organizar sindicatos formais.
ADUFS EM GESTAÇÃO
E eis que após retornar de um Conselho Nacional do ANDES (CONAD) ocorrido em Natal (RN), Lenalda descobriu que estava grávida do então namorado. Ela decidiu levar a gestação adiante e, ao arrepio dos setores mais conservadores, decidiu que não queria casar.
Mais uma vez o professor Silvério Fontes, na condição de figura paterna, aconselhou Lenalda a declinar da Presidência da ADUFS em meio à condição de “gravidez independente”. “Ele sentou pra conversar comigo e, muito cuidadosamente, me falou o que muita gente pensava de verdade na universidade. Que não ficava bem, que eu poderia ter algum prejuízo.”
Apesar do conselho do professor e da pressão indireta, a professora manteve o posto e se afastou apenas para a licença maternidade de 90 dias. Neste momento assume interinamente o professor Josué Modesto, vice-presidente do sindicato que viria a ser vice e reitor da UFS de 1996 a 2012.
MILITÂNCIA QUE SEGUE
A gestão da professora Lenalda segue até 1983, quando é sucedida pela chapa liderada pela professora Gilza Mota. A professora segue na militância da categoria sendo disputada por duas organizações: o PT, tendo seu irmão Luiz Alberto como referência, e a professora Ilka Bichara, que viera do PC do B da Bahia. “Eu acabei indo pro PT muito por conta da referência do Beto, mas tinha muita aproximação com o PC do B também. Aliás, o PC do B dava as melhores festas, isso era bom (risos)”.
Entre os espaços do ANDES, as greves e as confraternizações, a vida seguia leve. “A gente passava o dia todo em reunião e de noite ia dançar. E quando tinha greve nos anos 80 a gente conquistava o pleito. Podia voltar na dificuldade que fosse, com um monte de aula pra repor, mas a gente dava conta de tudo”.
APOSENTADA?
Nos anos 90, a professora foi fundadora do GT de Trabalho e Aposentadoria do ANDES ainda aos 45 anos, quando ela pede sua aposentadoria sob os riscos da Reforma da Previdência do então presidente Fernando Henrique Cardoso. “Foi um prejuízo financeiro e emocional muito grande. Eu trabalhava desde os 14 anos, tudo que eu sabia fazer era trabalhar, ficamos todos com receio da reforma do FHC”.
Ela cita uma situação de enfrentamento com a Polícia Legislativa do Congresso Nacional, na mobilização contra a reforma. “A gente foi fazer uma visita aos gabinetes dos deputados, a polícia nos colocou pra fora. Em plenos anos 90, eu já aposentada, passar por uma situação dessas”, afirmou.
Ela adentra no Programa de Qualificação Docente (PQD) e volta sua produção para a escrita de livros e artigos. Lenalda é autora de Textos para a História de Sergipe (1991), Para conhecer a história de Sergipe (1998) e lançou recentemente a biografia do ex-deputado estadual Jaime Araújo, ex-secretário da União Nacional dos Estudantes, procurador do Estado e deputado estadual cassado durante a ditadura civil-empresarial-militar.
Aos 72, ela fala com leveza e algum bom humor no alto do auditório. Acompanhada por um leve tremor nas mãos que ela mesma faz questão de explicar que não é Parkinson ou coisa parecida, ela segue elogiando os funcionários e as diretoras do sindicato até partir em direção ao carro. Sim, a cobrança do quadro do professor Luiz Alberto ainda tá valendo. Quem deve, paga.