ADUFS articula diversas vozes, corações e mentes contra a intervenção na UFS e em defesa da autonomia universitária

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Um patrimônio do povo de Sergipe, que se afirma pela produção de conhecimento, pela realização de pesquisas e projetos de extensão que desempenham papel determinante para o desenvolvimento do estado. Uma instituição atenta às problemáticas da sociedade e que reúne docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos empenhados em buscar alternativas para a resolução dessas questões. Defender a democracia e a autonomia dessa instituição é, portanto, defender a soberania das pessoas que vivem nos 75 municípios sergipanos.

Essa instituição é a Universidade Federal de Sergipe, única universidade pública localizada no estado, que atravessa, por todo o ano de 2020, sucessivas tentativas de intervenção e desrespeito ao protagonismo da comunidade universitária nas definições sobre os seus rumos.

Uma Assembleia com a participação de 90 pessoas, organizada pela ADUFS, e realizada na tarde dessa sexta-feira, 27/11, demonstrou, porém, que nenhuma tentativa de fragilização da autonomia universitária será sem reação articulada da sociedade. Professoras e professores, representantes de movimentos sociais, sindicatos, organizações populares, parlamentares no exercício do mandato e trabalhadoras eleitas ou com expressiva votação nas eleições municipais aceitaram o convite da ADUFS e se reuniram para manifestar o repúdio à nomeação e posse de uma interventora para a Reitoria da UFS.

Integrante do Coletivo Docente da Rede Municipal de Aracaju, a professora Sandra Beiju – que estutou na UFS – ressaltou a importância de métodos participativos para o aprofundamento da democracia interna, a exemplo da Consulta Pública. “A UFS foi instalada em plena ditadura militar, mas ao longo da sua trajetória histórica vem construindo metodologias visando promover a democracia participativa de todos os segmentos da comunidade universitária. A consulta pública para indicação de reitor é uma dessas metodologias, com votação paritária, com comissão eleitoral e com regimento eleitoral”, afirmou.

A experiência relatada por Sandra – que já teve a oportunidade de votar numa Consulta Pública – deve inspirar a defesa da democracia na UFS. “Eu já votei, enquanto estudante da graduação, nos anos 90, para escolher o reitor. Foi uma experiência importante, sentir que minimamente pude participar na definição dos destinos na universidade na qual estudava. Nesse sentido, é inaceitável o que estamos vivendo agora. Esse ato de intervenção põe em risco mais de três décadas de construção coletiva da Consulta Pública para escolha de reitor e vice-reitor. Repudiamos esse ato vertical, defendemos a autonomia da UFS”, conta.

Também presente à Assembleia, a professora Ana Lúcia, de forma emocionada, desabafou: “nunca imaginei que nessa altura da vida, já tendo enfrentado uma ditadura milutar, teria que lutar contra outra ditadura, de caráter fascista”. Representando o Coletivo Paulo Freire, Ana Lúcia foi veemente: “destruir a universidade pública é destruir aquilo que pertence ao nosso povo”.

Cenário nacional de ataques às universidades públicas

Entidades de representação da advocacia ou de organização de juristas, como a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Sergipe (OAB/SE) e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD/SE), participaram da Assembleia, enfatizaram a importância do respeito à autonomia universitária e lembraram que essas intervenções têm ocorrido em diferentes lugares do país.

Carlos Eduardo Siqueira, da OAB Sergipe, disse que a instituição “acompanha com perplexidade e absoluta preocupação o que se passa na UFS e em tantas outras universidades brasileiras”. O advogado frisou que “autonomia universitária é um princípio e um alicerce da nossa concepção de universidade pública”.

Jan Ravlik destacou que “a ABJD/SE enxerga que a UFS está diante de um ataque orquestrado, coordenado, preciso, cirúrgico e pensado pelo Executivo Federal para retirar a autonomia universitária e a liberdade de cátedra país afora, uma vez que é a 18ª universidade sob intervenção”.

Como frisado por Ravlik, 18 universidades, institutos federais e Cefet já sofreram – desde o início do atual Governo Federal – intervenção na escolha de reitores/as, seja pela indicação de nomes que não estavam em primeiro na lista enviada ao Ministério da Educação ou pela indicação direta, por parte do presidente da República ou do Ministro da Educação, de pessoas que sequer participaram das consultas públicas ou processos eleitorais, como é o caso de Liliádia da Silva Oliveira Barreto, nomeada e já empossada reitora pró-tempore da UFS.

Além da UFS, integram a lista de instituições federais de ensino sob intervenção: Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal Sergipe (UFS), Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-RJ).

O deputado estadual Iran Barbosa (PT), que foi estudante e também já atuou como professor substituto da UFS, disse que a intervenção é “um cerceamento à autonomia universitária e fragiliza os princípios e pressupostos de democracia no ambiente universitário”. O parlamentar demonstrou preocupação com “o aprofundamento do caráter antidemocrático e perseguidor que está em andamento no nosso país, a partir de uma política estabelecida no governo federal”.

Mobilização política para mover o Judiciário

Andrea Depieri e Jussara Jacintho, professoras do Departamento de Direito da UFS, apresentaram um panorama das movimentações jurídicas relativas à intervenção na universidade, citando, por exemplo, o inquérito instaurado pelo Ministério Público Federal para “apurar eventual ofensa ao princípio da autonomia universitária no processo de escolha do novo reitor da Universidade Federal de Sergipe”, conforme consta em matéria publicada no site do MPF/SE.

As duas professoras sublinharam, contudo, que as saídas frente a esse processo se darão a partir da atuação e incidência política das entidades e movimentos sociais.

“Essa não é uma questão procedimental, mas política. É preciso constituir um movimento amplo para que se chegue até o STF. Intervenção destrói a democracia, jamais a fortalecerá”, disse Jussara.

Na mesma perspectiva, Depieri disse que “a competência para remover a decisão é do STF, mas o Poder Judiciário não se movimenta sozinho, mas por provocações de órgãos da sociedade, que é o necessário nesse momento”.

A advogada Gabrielle Lobo Santiago, da Assesoria Jurídica da ADUFS e que participou da Assembleia representando a Assessoria Jurídica Nacional do ANDES, informou que o sindicato nacional docente está reunindo membros das seções sindicais de todas as universidades que estão sob intervenção para a definição de ações conjuntas, tanto em termos jurídicos quanto políticos. Sobre isso, leia aqui uma matéria do ANDES.

Professoras e professores em luta

Durante a Assemblea, a Diretoria da ADUFS salientou que, por diversas vezes, a categoria docente denunciou a postura autoritária do então reitor Angelo Antoniolli de tentar realizar um processo sucessório ignorando a consulta à comunidade acadêmica.

Como apontou o professor José Jailton Marques, “tanto a ADUFS quanto as demais entidades representativas da comunidade universitária da UFS organizaram a Consulta Pública para a Reitoria da instituição”. Iniciada em dezembro de 2019, a Consulta foi suspensa em maio em virtude da pandemia de covid-19 e retomada no segundo semestre de 2020, com votação online nos dias 24 e 25 de agosto. Relembre aqui o resultado da Consulta.

Por isso, para o presidente da ADUFS, professor Airton de Paula Souza, a postura de Antoniolli foi uma primeira manobra arbitrária que teve como resultado a intervenção do MEC. “Estamos lutando contra um golpe tremendo na autonomia e na democracia na UFS. E é importante dizer que não aceitamos nenhuma das duas intervenções, nem a do Governo nem a do ex-reitor. O que reivindicamos é o respeito ao resultado da Consulta Pública feita de forma democrática pelas entidades”, expressou.

A respeito dessa mobilização permanente das professoras e professores da UFS, vale lembrar que em nota pública divulgada em16 de julho desse ano, um dia após a reunião do Colégio Eleitoral Especial, a Diretoria da ADUFS qualificou aquele como o “maior golpe antidemocrático na UFS” e frisou que “pela primeira vez nos últimos 40 anos se elege uma lista tríplice, antigamente sêxtupla, sem que seja dada à comunidade acadêmica (discentes, técnicos e professores) o legítimo direito de a eleição informal, paritária e legítima que sempre balizou as decisões do CEE”. Relembre aqui o posicionamento da ADUFS.

Eleita recentemente vice-diretora do campus de Itabaiana da UFS, a professora Joelma Vilar – que ainda não foi nomeada – declarou: “venho acompanhar essa assembléia muito mais na condição de docente do DEDI, justamente para compreender mais a situação política-jurídica e alinhar pensamentos e posições. Apenas antecipo que não estamos de acordo com o processo antidemocrático de eleição para reitor que vivemos na UFS. E muito nos preocupa a ação intervencionista que estamos vivendo nesses últimos dias”.

Para os dias que virão, docentes de diferentes departamentos compreendem que é essencial o aprofundamento a articulação e das mobilizações em defesa da autonomia e da democracia na UFS.

“O que está em jogo é a nossa autonomia e o mínimo de encaminhamento democrático em nossas decisões. Precisamos, além de saídas jurídicas, mobilização política para a exoneração da interventora atual ou de sua renúncia. O risco é isso virá a praxe, afinal, como se sabe, outras universidades já estão sob intervenção”, pontuou Paulo Félix, professor do Departamento de Serviço Social.

Entendimento semelhante tem Christiane Campos, professora do Departamento de Economia. “Pelo que concluímos desse debate, o que temos que fortalecer é a luta política com a mobilização da categoria e da sociedade civil. Por isso, agradecemos aos representantes da sociedade que estão aqui na assembleia se somando a nossa luta contra a Intervenção, em defesa da autonomia e da democracia interna na UFS”, avaliou.

 

Lista das entidades/mandatos que participaram da Assembleia (em ordem alfabética)

  • Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD/SE

  • Coletivo Docente da Rede Municipal de Aracaju

  • Coletivo Paulo Freire

  • Conselho Regional de Serviço Social 18ª Região – CRESS/SE

  • Iran Barbosa – Deputado Estadual (PT/SE)

  • Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Sergipe – OAB/SE

  • Professora Ângela Melo – vereadora eleita de Aracaju (PT) e integrante da Executiva Nacional da CUT

  • Professora Sônia Meire - 8ª candidata mais votada nas eleições para vereadora em Aracaju (PSOL)

  • Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação da UFS - SINTUFS

  • Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica - SINASEFE Sergipe

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