O GOLPE NA UFS E A BATALHA PELA MEMÓRIA NAS ELEIÇÕES PARA A REITORIA

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A disputa pela memória é fundamental para as batalhas democráticas no tempo presente. Em virtude da consulta pública das entidades, ocorrida nos dias 28 e 29 de agosto na UFS com a maior participação nos últimos 20 anos, foram publicados uma série de textos, artigos e conteúdos distintos no intuito de revisar a história da Consulta Pública e a ruptura democrática ocorrida em 2020. Textos que pretendem relativizar o golpe orquestrado por Ângelo Antoniolli e Valter Joviniano naquele ano, de denunciá-lo como “farsa” e ações de contorcionismo retórico.

No decorrer de toda a disputa da Consulta Pública para Reitoria e Vice no ano de 2020, testemunhamos uma série de manobras e ações de boicote realizadas pela administração acadêmica da UFS. Sob a égide de uma Medida Provisória imposta por Bolsonaro, em meio à pandemia de Covid 19, a Reitoria não mediu esforços para impedir qualquer consulta democrática junto à comunidade.

Deliberadamente, a Reitoria atrapalhou o acesso à lista de votantes, tentou adiar o retorno das aulas no Campus de Lagarto, tentou inserir no Estatuto da UFS uma legislação provisória que sequer fora votada no Congresso Nacional. Ao caducar da Medida Provisória 914/2019, propôs um “acordão” para inserir seu candidato na disputa fora do prazo de inscrição de chapas, em troca – pasmem - da utilização do sistema eletrônico da UFS em meio à pandemia.

Negado o acordo, o reitor adiantou a convocação do Colégio Eleitoral 60 dias antes do prazo previsto em Legislação, justamente para dirimir o tempo de qualquer eleição independente. Ângelo Antoniolli negou o direito à fala das entidades em sessão do Conselho Superior, recusou a disponibilização do SIGEleição para as entidades, foi à imprensa desmerecer uma consulta pública que o elegeu duas vezes para vice-reitor (2004 e 2008) e duas vezes para reitor (2012-2016). Organizou uma das sessões mais tumultuadas da história da UFS, o Colégio Eleitoral Especial de julho de 2020, para eleger seu candidato a qualquer custo. Quando o ministro Milton Ribeiro indicou Liliádia Barreto como interventora, tratou de negociar a posse de seu candidato com ex-pastores da Igreja Universal em Sergipe, base do governo Bolsonaro no período.

Em um país profundamente marcado pelo esquecimento sistemático e programado, que não goza de políticas de reparação e memória, não podemos cair na esparrela do revisionismo de ocasião. Em tempos de avanço do conservadorismo, de plataformas propulsoras de desinformação por completa ausência de regulação, da vulgarização de “Fake News”, é estarrecedor perceber servidores da universidade pública utilizando do mesmo expediente de agentes da extrema direita em Sergipe, no Brasil e no mundo.

Segue o fio da memória em relato preciso e detalhado, seguido de uma série de link´s, documentos e imagens da época, de publicações da UFS, dos sindicatos e da imprensa local, sobre o fio dos acontecimentos entre os anos de 2019 e 2020. Para que ninguém se esqueça, para que nunca mais aconteça!

 

O FIO DA MEMÓRIA DO GOLPE NA UFS

 

2 de dezembro de 2019.  Toma posse como vice-reitor da UFS o professor adjunto Valter Joviniano de Santana Filho, então superintendente do Hospital Universitário de Lagarto. Ele é empossado pró-tempore no lugar da professora Yara Campello, primeira vice-reitora da história da UFS, que se aposentara em outubro. 

 

11 de dezembro de 2019. Assembleia Geral Universitária, ocorrida no Hall da Reitoria, define regulamento e calendário para a Consulta Pública para Reitoria e Vice. Inscrição de chapa em janeiro, eleição inicialmente em 17 e 18 de março. Matéria aqui:

 

24 de dezembro de 2019. Publicada a MP 914/2019, que estabelece a obrigatoriedade de qualquer processo eleitoral para Reitoria e Vice obedecer a proporção 70/15/15 de peso para docente, técnico-administrativo e discente, respectivamente. Um fato novo às vésperas do Natal. 

 

15 de janeiro de 2020 Publicada a Portaria 16/2020/GR, que previa adiamento do retorno das aulas para o Campus Lagarto para o dia 23 de março. A data inviabilizaria a eleição presencial naquele Campus, o segundo maior da UFS, sendo que a Portaria 536/2019 já havia anunciado o retorno para o dia 16 de março.  As entidades fizeram pressão e a Portaria foi revogada, mantendo o retorno na data inicial.

 

23 de janeiro de 2020  Após período de recesso e avaliação dos impactos da MP, nova Assembleia Geral Universitária adia inscrição de chapas para fevereiro, a fim de avaliar melhor as condições da MP 914/2019 no Congresso Nacional. Comissão Eleitoral é referendada, data da eleição fica para os dias 19 e 20 de março. 

 

29 de janeiro de 2020 Comissão eleitoral solicita as listas de votantes da UFS, Reitoria nega acesso sob pretexto da MP, algo sem precedentes na história da UFS. Após pressão, novo pedido fora feito em 14 de fevereiro e administração nega novamente, com o claro objetivo de inviabilizar a eleição. As listas só foram acessadas após as entidades, separadamente, solicitarem os dados de suas categorias.

 

4 de fevereiro de 2020 Publicada a Portaria 88/2020/GR, que estabelecia um Grupo de Trabalho para tocar uma consulta pública paralela e“oficial”. O GT era composto por 5 nomes ligados à administração: Adriano Antunes, Mário Adriano dos Santos, Lucindo José Quintans Júnior, Marcelo Alves Mendes e Roberto Wagner Xavier de Souza, este último o único técnico-administrativo. O Regulamento do GT nunca fora apresentado.

 

14 de fevereiro de 2020 Quatro chapas se inscrevem na Consulta Pública organizada pelas entidades. Nenhuma chapa ligada à administração se inscreve no processo, mesmo com o pleno entendimento de que esta consulta não tenha qualquer atrelamento institucional à Reitoria e, portanto, sem qualquer subordinação ao que estabelecia a MP.

20 de fevereiro de 2020 Questionado pelo Ministério Público Federal acerca do processo de escolha da nova Reitoria e Vice, Angelo Antoniolli presta esclarecimento ao órgão que pretende seguir à risca a MP 914/2019, mesmo com a possibilidade concreta da MP sequer ser votada no Congresso Nacional, como de fato ocorreu. 

2 de março de 2020 Portal da UFS publica um "passo a passo" com todas as medidas para adequar o arcaçoubo normativo na instituição à MP 914/2019, tal qual a criação do Grupo de Trabalho publicado em 15 de janeiro e a mudança no Artigo nº 22 do Estatuto da UFS.

5 de março de 2020 Ângelo Antoniolli e Valter Joviniano tentam inserir mudança no Estatuto da UFS, em seu Artigo 22, estabelecendo o que estava previsto no texto da MP 914/2019, desta forma, o que enterraria de vez a Consulta Pública Paritária e tornando permanente uma legislação que sequer fora votada, como veremos adiante. A mobilização da comunidade impede a mudança e reitor recua da ação. Acompanhe a sessão completa abaixo no canal da UFS.

 

10 de março de 2020 Assembleia da ADUFS aprova paralisação de 24 horas em 18 de março, além de indicativo de greve para o mês de maio como orientação do ANDES-SN. Dentre as pautas da paralisação, a revogação da MP 914/2019. Eleições seguem previstas para 19 e 20 de março.

16 de março de 2020  Em nota conjunta, ADUFS, SINTUFS, DCE E AAU mantém paralisação em 18 de março mas cancela as atividades presenciais, em virtude do acirramento da pandemia de Covid 19. 

17 de março de 2020 Dois dias antes da eleição e um dia antes do debate de chapas no Campus de Lagarto, Reitoria publica Portaria nº 241/2020/GR suspendendo atividades presenciais por 15 dias em virtude da pandemia, acompanhando as ações da Prefeitura de Aracaju e Governo de Sergipe. Em virtude da nova situação, a Comissão Eleitoral da Consulta Pública suspende a votação. 

Março a Junho A situação da pandemia de Covid 19 se estende e novas portarias prorrogando o retorno das atividades presenciais são publicadas. Movimentos sociais e setores da sociedade civil se organizam para pautar a extensão do isolamento social ao máximo possível de setores, a fiscalização nos setores que prestavam serviços essenciais e atenção das condições sanitárias.

11 de maio de 2020  Monitorando a situação da pandemia e prevendo a impossibilidade de um retorno presencial a curto prazo na UFS, a Comissão Eleitoral envia ofício solicitando do Sistema SIGEleição para organizar a consulta pública. Apesar de apresentar problemas e limites sensíveis, o SIGEleição representava naquele momento uma alternativa hábil e viável para estabelecer qualquer consulta e escuta à comunidade.  Pedido reenviado por e-mail nos dias 8 e 12 de junho por e-mail, sem resposta.

 

2 de junho de 2020 Como já previsto, MP 914/2019 não é votada no Congresso Nacional e “caduca”, perde eficácia.

 

2 de junho de 2020 A convite da reunião do GT paralelo estabelecido pela Portaria nº88/2020 - aquela publicada em fevereiro – ocorrida de forma presencial no auditório do CCBS com representantes de entidades, interlocutores de Ângelo Antoniolli sugerem que uma nova “pesquisa” aconteça, com a manutenção das quatro chapas já inscritas e a adição de sua chapa, composta por Valter Joviniano e Rosalvo Ferreira, com utilização do sistema SIGEleição. Como a inscrição de chapas se encerrara em fevereiro, todas as partes envolvidas recusam a manobra (entidades, Comissão Eleitoral e chapas inscritas). As entidades não abriram mão da condução do processo, tal como ocorre desde 1984. Esta proposta foi registrada pelo presidente do DCE em época, Luiz Felipe Santos, em reunião virtual do CONSU em 26 de junho.

4 de junho de 2020 Publicação da Portaria 442/2020/GR, que institui o Colégio Eleitoral Especial de forma remota para o dia 15 de julho. Como não conseguiu emplacar sua chapa na consulta das entidades, o reitor partiu para o ataque. Pela Legislação, a Reitoria poderia convocar o colégio em até 60 dias antes do término de sua gestão, que se encerrou em 18 de novembro daquele ano. Entretanto, ficou clara a intenção de dar celeridade ao processo e impedir qualquer processo de consulta à comunidade sem desrespeitar o isolamento social.

10 de junho de 2020 Professor José Fernandes de Lima, ex-reitor da UFS (1996-2004), publica artigo na imprensa defendendo a Consulta Pública e seu lastro na história da Democracia da UFS. 

18 de junho de 2020 Em entrevista à coluna Aparte, no site JL Política, o então reitor Ângelo Antoniolli afirma que a Consulta Pública das entidades é informal.  Comissão Eleitoral emite nota comentando as afirmações do reitor e retoma cronograma das ações até então. Abaixo duas declarações do reitor Angelo Antoniolli, de 2012 e 2016, afirmando que só aceitaria o resultado do Colégio Eleitoral Especial daqueles anos se fosse referendado o resultado da Consulta Pública. 

 

 

19 de junho de 2020  Entidades entram com pedido de Tutela Antecipada de Urgência na Justiça Federal para utilização do sistema SIGEleição. 

 

26 de junho de 2020 Primeira sessão remota do Conselho Superior após 3 meses de atividades suspensas. Rompendo a tradição democrática da UFS, representantes das entidades sem cadeira no CONSU são impedidos de entrar na sala virtual, apesar da sala do Google Meet comportar até 250 pessoas em uma reunião de apenas 44 membros. Sessão na íntegra abaixo:

29 de junho de 2020 ADUFS entra com Mandato de Segurança Coletivo para anular a Portaria 442/2020 , que convoca o Colégio Eleitoral Especial.

1 de julho de 2020 Entidades e movimentos sociais lançam a campanha “QUERO VOTAR PARA A REITORIA”, com outdoor´s espalhados pelo estado e uma ação de comunicação solicitando o adiamento do Colégio Eleitoral Especial, que poderia ocorrer até o mês de setembro de acordo com a Legislação vigente, e a utilização do Sistema SIGEleição, como já solicitado pelas entidades desde 11 de maio. 

 

7 de julho de 2020  Justiça Federal indefere pedidos das entidades no intuito de evitar a reunião do Colégio Eleitoral para 15 de julho e pedindo a utilização do Sistema SIGEleição. O juiz Ronivon Aragão indefere mandado de segurança coletivo impetrado pela ADUFS pedindo a suspensão dos efeitos da Portaria nº 442. A juíza Telma dos Santos indefere pedido de Tutela Antecipada de Urgência para uso do Sistema SIGEleição.

15 de julho de 2020 Colégio Eleitoral Especial acontece de forma remota, em uma das sessões mais tumultuadas que se tem notícia na instituição. Em um Colégio formado por 81 votantes, parte significativa é indicada diretamente pelo reitor, além de exercer influência de gestão nos demais membros. Dentre uma lista de 1297 docentes (e não em forma de inscrição de chapa, como divulgado) Valter Joviniano recebeu 37 votos, André Maurício teve 30 votos, Vera Núbia teve 9 votos, Denise Leal 4 votos e um voto do professor Valter César Pinheiro, do Departamento de Letras Estrangeiras. Ele recebera um voto por engano e sequer se encontrava na disputa, tal a confusão e ausência de transparência daquele rito de escolha. Sobre o voto do professor Valter Pinheiro, saiba mais aqui

Matéria na TV Atalaia sobre a manifestação presencial na Reitoria.  

Colégio Eleitoral Especial de 15 de julho de 2020  

 

20 de julho de 2020  Mesmo pós o golpe no Colégio Eleitoral Especial, entidades decidem manter a votação para a consulta pública paritária de forma independente. Fora contratado o serviço de sistema de contagem apuração independente e auditável, de código aberto.

 

14 de agosto de julho de 2020  Chapa 2, encabeçada pela professora Denise Leal, e Chapa 1, encabeçada pelo professor David Soares Pinto Junior,  informam à Comissão Eleitoral desistência do pleito, alegando parcialidade do programador contratado em virtude deste ter prestado serviços similares na eleição para o CCET. Mesmo após justificativa técnica apresentada pela Comissão Eleitoral, as chapas se retiram do processo.

 

24 a 26 de agosto de 2020 - Votação remota da Consulta Pública, por meio de programa elaborado por prestador de serviço contratado pela ADUFS e SINTUFS. Chapa 4 , encabeçada pelo professor André Maurício, conquista a maioria dos votos. 

9 de setembro de 2020 - Declaração de aptidão dos integrantes da lista tríplice do Colégio Eleitoral de 15 de julho (Valter Joviniano, André Maurício e Vera Núbia) assinada em setembro. O documento foi publicado nos últimos dias no intuito de construir uma narrativa de colaboraçao das demais forças ao golpe orquestrado, apenas trouxe a público mais uma evidência de que haveria prazo para estender o Colégio Eleitoral Especial até setembro e garantir qualquer consulta à comunidade. 

18 de novembro de 2020 Gestão do professor Ângelo Antoniolli é oficialmente encerrada. Assume interinamente o vice-reitor em exercício, Valter Joviniano. 

20 de novembro de 2020 Ministério Público Federal abre inquérito civil para investigar irregularidades na reunião de 15 de julho. 

 

23 de novembro de 2020 Ministério da Educação nomeia Liliádia Barreto como interventora da UFS. Entidades lançam manifesto “Nem Golpe, Nem Intervenção”. 

24 de novembro de 2020 Manifestação em repúdio à intervenção na UFS, com participação de movimentos sociais e do Conselho Regional de Serviço Social, ao qual a professora é integrante. 

22 de janeiro de 2021 Movimentos sociais lançam Comitê pela Democracia na UFS.

Fevereiro de 2021 Procuradoria Geral da União arquiva investigação, a pedido do Ministério Público Federal.

17 de março de 2021 Sai na imprensa articulação entre o reitor Valter Joviniano e ex-pastores da Igreja Universal, a fim de garantir a nomeação de Valter pelo MEC. Os ex-deputados Jony Marcos e Heleno Silva, que não ocupavam quaisquer cargos públicos naquele momento, se reuniram com o ministro da Educação Milton Ribeiro – o mesmo do escândalo das barras de ouro - em 9 de março, em Brasília/DF. A reunião foi mediada pelo presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira, integrante da base governo Bolsonaro no Congresso naquele período. 

18 de março de 2021 Valter Joviniano é nomeado reitor da UFS em publicação no Diário Oficial da União.

 

22 de março de 2021 Empossado em Brasília/DF com a presença dos ex-deputados Heleno Silva e Jony Marcos, ex-parlamentares que não exerciem naquele momento qualquer função pública no Executivo Federal, mas que se encontravam na capital federal. 

 GOLPE CONSUMADO

PARA QUE NINGUÉM SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA.

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